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'À Procura de Eric' é escolha alto astral para abrir Mostra de SP

22 out 2009 - 19h34
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Da cena de abertura até a imagem final de À Procura de Eric , filme que abre nesta quinta-feira (22) a 33ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, existe uma curiosa linha ascendente no gráfico. Curiosa primeiro porque não é exatamente todo dia que o sol nasce reluzente sobre a nebulosidade do fracasso de quem mal consegue se ver no espelho, e segundo porque a grande escalada dessa linha no gráfico não é resultado de medidas extremas ou grandes "pontos de virada" no roteiro. Para a bagunça em que se encontra a vida de Eric Bishop, basta uma simples e pesada faxina.

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Naturalmente, algumas vidas acumulam mais pó do que outras, e a trajetória deste personagem prova que ele não lembra onde colocou a vassoura há muito tempo. O diretor Ken Loach, conhecido por um cinema de visão social, cava agora o microcosmo desse personagem de dimensões universais em um filme que concorreu este ano à Palma de Ouro em Cannes.

Carteiro da cidade de Manchester, na Inglaterra, nosso protagonista é apresentado quase que de costas para a câmera, dirigindo perigosamente um veículo. Não um "perigosamente James Bond", mas um "perigosamente alguém vai se dá mal". Aliás, Eric parece pouco saber de famosos no estilo James Bond. Sua referência heróica também se chama Eric. Eric Cantona. O jogador de futebol que virou "deus" nos refrões etílicos da torcida do Manchester United nos anos 1990. E Eric Cantona - cartaz pendurado na parede, olhar de Hércules para o horizonte - é a mola no fundo do poço de Eric Bishop.

Em meio a esse inferno astral de crise de meia idade, Eric procura por uma saída debaixo do assoalho de um dos enteados que vive em sua casa. Na fumaça da erva muito bem guardada, Eric começa a ter visões de seu amigo imaginário: Eric Cantona, o jogador francês que ficou conhecido no futebol inglês não apenas por conquistar um título atrás do outro pelo Manchester United fazendo gols incríveis, como pela frase filosófica dita em uma coletiva de imprensa depois que ele foi preso ao dar um pontapé em estilo kung-fu num jogador do time Crystal Palace: "Quando as gaivotas seguem o barco dos pescadores, é porque pensam que as sardinhas serão atiradas ao mar". É esse Cantona profético, bem-humorado e com uma certa ironia francesa diante dos ingleses que guia o filme.

Autoajuda para o velho carteiro, Cantona é a pluma que irá desenroscar a bigorna amarrada no pescoço de seu fã nº 1. Na interpretação dele mesmo, o ex-jogador, cuja filmografia pós-aposentadoria do futebol prova que existe vida inteligente para além do gol, dá o tom leve do filme alto astral de Ken Loach. Steve Evets, mais conhecido por seu trabalho na TV britânica, faz do seu Eric Bishop alguém por quem se cria uma empatia gratuita, graças à ingenuidade de seus pequenos fracassos.

Sem conseguir olhar no rosto de sua primeira esposa e muito menos enxergar o foco dos elementos de completa desordem dentro de sua casa, Eric terá que arcar com as conseqüências de não ter prestado atenção nele mesmo e no ambiente que o cerca. E aí não apenas Cantona, como toda a unidade familiar criada pela carga de drama e humor que cerca o futebol irão desviar Eric do fim para o qual ele estaria fadado. A trilha sonora bem que poderia se servir de algo como "with a little help from my friends" ("com uma pequena ajuda de meus amigos"), dos igualmente britânicos Beatles. A propósito, fãs do futebol, ainda que não compartilhem da peculiar maneira inglesa de se relacionar com o esporte, vão encontrar neste filme um certo sentimento de cumplicidade.

Loach (vencedor da Palma de Ouro em Cannes por Ventos de Liberdade, 2006), com sua câmera estável e fixa no chão, consegue criar uma obra grandiosa em sua simplicidade, em uma relação bem semelhante àquela que o futebol, esporte dos grandes palcos romanos e gladiadores milionários, provoca nos seres comuns. A observar que a ideia original do filme partiu do próprio Cantona. O ator e ex-jogador sugeriu a Loach um longa sobre a história de um torcedor que mudou de time quando seu jogador favorito trocou de camisa. Sábio em sua análise do ser humano, o diretor inglês decidiu mudar um pouco a história e conseguiu fazer um filme de sorrisos espontâneos.

Eric Bishop e Eric Cantona
Eric Bishop e Eric Cantona
Foto: Divulgação
Fonte: Terra
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