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'O Abraço Corporativo' questiona a verdade jornalística

29 out 2009 - 11h54
(atualizado às 12h49)
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Ary Itnem tem um jeitão simpático, cativante e frases de efeito que são ótimas em qualquer apresentação de Power Point. Mas digamos que se o discurso de Itnem fosse uma imagem, ele seria aquele e-mail com fundo cheio de textura, fonte colorida e itálica que alguém copia para várias pessoas no fim do ano na melhor das intenções de passar uma mensagem de autoajuda. É com essa ética e estética que Ary Itnem conquistou, no Brasil, páginas de jornais, revistas, portais de internet e programas de TV. Mas não é sobre Itnem, e sim sobre o volume de notícias produzido sobre ele, que fala o documentário O Abraço Corporativo, que estreou na quarta-feira (28) na 33ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

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A inovação do apregoado "abraço corporativo" que combate a "inércia do afastamento" dos tempos modernos serve como pano de fundo para uma crítica do jornalista e também cineasta Ricardo Kauffman àquilo que, por experiência própria, ele conviveu de perto: o novo modelo de negócios para vender informação.

Ao passear pela cidade de São Paulo acompanhando toda a trajetória de Itnem dentro das redações e emissoras de rádio e TV, posando para fotos de revista e agendando entrevistas por telefone com jornalistas dos mais respeitados meios de comunicação do País, Kauffman queria provar que sua intuição não lhe falhava. E seu palpite lhe dizia que, cada vez mais, a verdade perde para a velocidade dentro do jornalismo - ainda mais na era do afamado Twitter.

O simpático e gente boa Ary Itnem é um consultor de RH que, em 2006, projetou seu nome na praça no papel de representante brasileiro da Confraria Britânica do Abraço Corporativo (Cbac). Com um site padrão no ar e alguns releases produzidos, ele chegou rapidamente ao posto de celebridade, quando várias mídias o procuraram para conversar sobre as pesquisas da Cbac, todas indicando que o chamado "abraço corporativo" ajuda a criar um ambiente mais produtivo dentro das empresas. A ideia peega carona na iniciativa Free Hugs, criada originalmente pelo australiano que se identifica como Juan Mann - que notoriedade após colocar um vídeo no You Tube em que ele pede, com uma placa nas mãos, abraços gratuitos. Itnem copiou o formato e seu próprio vídeo no You Tube passou das 600 mil exibições.

Com Itnem em primeiro plano, Kauffman dirige um filme atento aos detalhes, deixando pistas que irão instigar o próprio expectador a rever seu senso de observador da realidade. Segundo o diretor, a intenção sempre foi observar como o atual modo de produção do jornalismo valoriza ideias tão inconsistentes quanto às de Ary Itnem. Aliás, apesar de ser aqui protagonista, Itnem não é único exemplo de inconsistência usado no filme.

E para falar sobre isso, são feitas entrevistas com jornalistas, professores universitários e um político (o ex-governador de São Paulo Cláudio Lembo, que foi atropelado por um turbilhão de atos violentos e também de factóides envolvendo a facção criminosa PCC, em maio de 2006). Essas conversas cruzam o filme com depoimentos de uma reflexão ora provocadora, ora pessimista. De uma forma ou de outra, são opiniões sempre bem pontuadas.

Com um orçamento ínfimo, como esclarece o prólogo do filme (sem especificar a quantia gasta no projeto), o longa foi todo captado única e exclusivamente pela força de vontade de uma câmera na mão e uma ideia na cabeça de Kauffman. Com esses ingredientes, ele consegue estrear bem como diretor. Sem pretensões técnicas, Kauffman aperta o "rec" e grava um filme em que o próprio formato de documentário é colocado em cheque - uma vez que as situações captadas pela câmera são reações a uma criação do diretor.

No contexto de um mundo onde verdades absolutas e pequenas ficções de cada dia são bem-vindas para acalmar os ânimos e aliviar a alma, o jovem diretor é muito bem-sucedido em sua leitura das sombras na caverna de Platão.

Cena de 'O Abraço Corporativo'
Cena de 'O Abraço Corporativo'
Foto: Divulgação
Fonte: Terra
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