PUBLICIDADE

Como o cinema erótico escandinavo impulsionou a revolução sexual

5 abr 2014 - 21h20
Compartilhar

O filme Ninfomaníaca, do diretor Lars Von Trier é diferente da maioria dos lançamentos cinematográficos recentes: são cinco horas divididas em dois filmes, com cenas de sexo explícitas e, entre elas, discursos sobre um tipo de pesca, Johann Sebastian Bach, a Revolução Russa entre outros assuntos.

Entre os atores que estrelam o filme está Stellan Skarsgard, que apareceu em títulos mais tradicionais como os filmes Thor e Os Vingadores.

Mas, por mais inovador que seja o longa de Von Trier, em alguns aspectos ele faz parte da respeitada tradição do cinema erótico escandinavo.

Há exatos 40 anos, Skarsgard foi um dos protagonistas do filme Anita, um drama sueco proibido para menores em que uma bela viciada em sexo conta histórias de sua traumática vida amorosa, descrição que também pode ser aplicada ao papel do ator em Ninfomaníaca.

Quando Anita foi lançado em 1974, os países escandinavos já tinham consolidado sua reputação para produzir filmes mais atrevidos.

Rickard Gramfors, cujo selo Klubb Super 8 DVD é especializado filmes de exploitation, um gênero cinematográfico sueco que enfatiza um elemento comum de temas sociais moralmente inaceitáveis, aponta que a origem desta tradição pioneira vem de 1951.

"Sem dúvida a Suécia era quem liderava, graças a Um Verão de Felicidade, de Arne Mattsson. Neste filme podia se ver alguns seios desnudos e isso ajudou para que se transformasse em um sucesso internacional", disse.

Depois deste filme ocorreu o que Gramfors chama de imitação: Verão Com Mónica, de Ingmar Bergman, protagonizado por Harriet Andersson, que atuou em outro longa de Von Trier, Dogville, 50 anos depois.

Mas, o drama artístico de Bergman não poderia estar mais longe do que atualmente se classifica como pornografia. É possível intuir até que alguns dos que assistiram o longa na década de 1950 não podiam ver mais além das curvas desnudas de Andersson

"Os filmes eróticos são quase tão antigos como o próprio cinema", afirmou Julian Marsh, fundador da Erotic Film Society da Grã-Bretanha.

"No começo da década de 1950, os filmes importados eram a única esperança da maioria dos cinéfilos americanos ou britânicos de um vislumbre de pele nua. Para ver estes filmes, tinham que ir a algum cinema independente... ao menos que, claro, tivessem recebido algum convite para assistir a uma exibição privada para solteiros ou apresentação de burlesque", acrescentou.

"Os filmes poucas vezes cumpriam o que a propaganda sensacionalista prometia, mas o público foi capaz de viajar de um Estado a outro apenas para ver alguns segundos de banhistas nus mergulhados nas águas frias do arquipélago no filme de Bergman", explicou Marsh.

Crítica

Foi assim que os suecos conseguiram sua nova imagem.

Para os cinéfilos do mundo eram magníficos, com um enfoque livre de culpa em relação ao sexo casual e dispostos a dar passeios nus pela praia. Os distribuidores internacionais ganhavam dinheiro sem nenhuma vergonha.

Para o mercado americano, Verão com Mónica foi rebatizado como Mónica: a história de uma garota má. As palavras "travessa" e "dezenove" também podiam ser vistas no cartaz do filme.

Duas décadas depois, Anita foi rebatizada Anita: a ninfa sueca. E o filme Os Intrusos, também protagonizado por Skarsgard, se transformou em Jogos Sexuais Suecos.

Apesar da promoção descarada, estes "protopornôs" suecos não apenas tratavam de loiras saudáveis que tiravam as roupas em lagos. Alguns destes filmes tinham assuntos mais importantes.

"Sou Curiosa, exibido em 1967, ganhou rapidamente uma reputação escandalosa em outros países por sua nudez e conteúdo sexual", lembrou Marsh.

"Mas, na maior parte do tempo, o filme é uma crítica à sociedade sueca expressada em um estilo vanguardista, por isso não posso imaginar que o filme possa interessar quem estiver em busca de emoções baratas. E, enquanto Anita, de Torgny Wickman pertence sem dúvida ao gênero exploitation, Wickman criou um drama com um personagem central mais complexo e simpático do que se poderia imaginar", disse.

Marsh cita outro exemplo com o diretor Mac Ahlberg, cuja produção dinamarquesa e sueca de 1965, Eu, Uma Mulher, estuda de forma sombria a sexualidade de uma mulher jovem.

Mas, a maior contribuição da Dinamarca para a insdústria do cinema erótico escandinava ocorreu em 1969, quando o governo aprovou leis que aboliam a censura de imagens.

A legislação histórica tinha sido estudada por Jack Stenvenson, um crítico de cinema americano que vive e trabalha em Copenhague.

"Os dinamarqueses fizeram uma grande festa chamada SEXO 69. Foi uma feira de pornografia que atraiu 100 mil espectadores e 200 jornalistas estrangeiros. Diretores de muitos países vieram fazer 'documentários pornôs' na Dinamarca e os diretores dinamarqueses começaram a adaptar os filmes para os mercados estrangeiros", disse.

Revolução sexual

De repente o cinema de sexploitation (um subgênero do cinema de exploitation) escandinavo já não tratava mais apenas de cenas de nudez, mas mostrava sexo explícito.

Mas, pelo fato de estes filmes se apresentarem como documentários sobre um fenômeno sociológico europeu, podiam ser vistos e discutidos por audiências britânicas e americanas respeitáveis.

Para Stevenson, estes filmes tiveram um papel importante na revolução sexual nos Estados Unidos.

"Os filmes dinamarqueses e suecos foram importantes para romper as barreiras da censura e, em alguns casos, apresentaram uma visão mais sofisticada e adulta da sexualidade. (...) Estes filmes ajudaram a fazer dos Estados Unidos uma sociedade mais progressista sexualmente", disse.

Nem todos viram este progresso de forma positiva. O filme The Language of Love, comercializado como um filme de educação sexual, gerou polêmica.

"Houve um grande escândalo nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, especialmente por parte da direita cristã. Na Trafalgar Square em Londres, o cantor Cliff Richards liderou uma manifestação de 30 mil pessoas que protestaram contra o filme", disse Gramfors.

Mas, o filme tem um lugar especial na corrente principal da história do cinema. É o filme ao qual o personagem de Robert De Niro leva a personagem de Cybill Shepard no longa Taxi Driver, de 1976.

Neste período a atração exótica dos filmes escandinavos começou a ficar fora de moda.

"Os filmes começaram a ficar cada vez mais baratos à medida em que chegavam filmes dos Estados Unidos, Alemanha e França", lembra Gramfors.

Os títulos anteriores, "respeitáveis" eram muitos caros. Portanto, os filmes feitos no fim dos anos 1970 e começo dos 1980 eram de baixo orçamento, sem história, sem valor de produção e com muito sexo.

"O verdadeiro ponto final para os filmes eróticos na Suécia, assim como no resto do mundo, chegou com a popularização dos vídeos domésticos. Quando não era mais preciso colocar a capa de chuva para sair e ver pornografia, tudo acabou. Os filmes ficaram chatos", disse Gramfors.

Mas agora, talvez estejam voltando a ficar interessantes. Na última década o sexo explícito está fazendo sua volta nas salas de cinema e, de novo, podemos agradecer aos escandinavos.

Em 1998 Lars Von Trier iniciou a tendência com Os Idiotas e, desde então, foi financiado um amplo grupo de filmes pornográficos através de sua produtora, a Zentropa.

E, claro, a produtora acaba de lançar Ninfomaníaca. Em uma das cenas deste filme, a protagonista tenta ter uma vida de casada e de mãe, mas não consegue desistir dos amantes e abandona o marido e o filho.

Verão com Mónica, de Bergman, tinha exatamente a mesma trama há 60 anos.

BBC News Brasil BBC News Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização escrita da BBC News Brasil.
Compartilhar
Publicidade