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Depois de conquistar Europa, documentário sobre pixação estreia

25 out 2009 - 10h53
(atualizado em 21/6/2018 às 18h14)
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"Liberdade, manifestação, transgressão, protesto, o pixo é arte pura!". "Ah, que nada, aquilo é sujeira, vandalismo, crime!". Decidir o que é, e o que não é a pixação, definitivamente não é a preocupação de João Wainer, fotógrafo e autor de Pixo, primeiro e único documentário sobre a pixação, atividade de milhares de jovens paulistanos desde a ditadura militar.

"Não sou delegado, não sou critico de arte, não sou eu quem vai dizer se isso é vandalismo ou manifestação artística. Só sei que a cidade está coberta de tinta e todos os dias centenas de moleques se arriscam para pixar qualquer espaço que os faça serem mais notados.", comentou Wainer, que demorou dois anos para concluir o filme. "Mas não é mesmo meu papel dizer se isso é arte ou crime", concluiu.

Se por aqui ficamos reticentes em bater o martelo, no Velho Mundo houve menos melindre. Pixação é a arte e ponto. Em Paris, na capital francesa, onde o filme foi exibido, a pixação de Sampa causou alvoroço em uma grande exposição sobre grafite intitulada "Nascido nas ruas, graffiti", exibida na Fundação Cartier. "Estou arrepiado. O filme é uma obra-prima. Vou ligar para o David Lynch agora, ele precisa ver isso", disse Hervé Chandès, diretor da Fundação, a João Wainer.

"Era disso que precisávamos, algo novo, selvagem e desconhecido", exclamou Thomas Delamarre, um dos curadores da mostra. O Pixo, que chegou quieto e pela porta dos fundos a Paris, para instantes depois conquistar as pessoas e a fachada da Galeria.

"Eles avaliam a pixação de São Paulo como o que há de mais original em termos de arte de rua no momento", comentou Wainer. O fotógrafo explica que grande parte do grafite feito hoje no mundo é inspirada em cima do Wild Style, técnica surgida em Nova York no início dos anos 70, marcada por uma forte estilização das letras.

Mas o que se viu na Fundação Cartier, no mês passado, foi uma forma de escrita que não se tinha conhecimento, que apresenta a cidade como um agente verticalizador das letras, sem influência de nenhuma outra vertente da street art mundial.

"É uma coisa 100% brasileira, de São Paulo, essas linhas retas estão mudando a cara do grafite no mundo inteiro", disse o fotógrafo. "E essa ida do Djan para Paris foi realmente um marco", completou. Mas, espera aí, Djan? Quem é Djan?

Co-autor

Djan Ivson Silva, 25 anos, pixador. Com o sucesso da exibição em primeira mão do filme na Fundação Cartier, Djan, conhecido nos guetos paulistanos como Cripta, foi chamado às pressas para Paris. Isso porque grande parte das cenas do filme Pixo vieram do acervo de Djan, que durante anos filmou suas incursões pela madrugada de São Paulo.

Contudo, com processos judiciais por vandalismo em andamento, ele só pode viajar depois de uma ardorosa batalha jurídica e de pagar 96 horas de trabalho comunitário. "A ficha só foi cair mesmo quando eu estava dentro do avião", disse ele, que nunca tinha voado antes na vida.

Cripta

Cripta Djan, como quase todos os jovens pixadores da capital, começou ainda criança, com 12 anos. Hoje, aos 25, é um dos maiores nomes do pixo na cidade. Zona Leste, Oeste, Norte ou Sul, onde tem concreto e cimento, tem Cripta.

"Eu sabia que se um dia tivesse a chance de representar a pixação em algum lugar do mundo eu ia dar conta do racado". E realmente deu. Djan foi convidado para pintar a fachada de vidro da Fundação Cartier, parte mais nobre do prédio, desbancando nomes de artistas e grafiteiros como o chileno Basco Vazko, e os holandeses Barry McGee, Delta e Boris Tellegen.

Enquanto todos eles usavam spray colorido, Cripta pediu tinta látex e rolo de pintura. Enquanto todos levaram dias para terminar os trabalhos, Cripta levou 15 minutos. Foi ovacionado. Seus rabiscos estão lá, misturados aos originais de Keith Harring e Jean Michel Basquiat. Na Fundação Cartier, em Paris, o vândalo virou artista. Mas, com todos esses louros e consentimento, onde fica a transgressão, principal elemento do pixo?

"Ali foi diferente, porque estávamos fazendo uma releitura da arte de rua. Além do que, se um pixador é convidado para fazer a parede de uma galeria pela fama que conquistou na rua, é super válido. O que eu não vou aceitar é o cara ser pago para pixar a rua, que é o local de legitimação do pixador. E foi aí que os grafiteiros se perderam", cutuca Djan.

Para João Wainer, o pixo de Cripta na fachada da Fundação Cartier foi um marco. "Os grafiteiros gringos que no início olhavam torto pro maloqueiro de 'bombeta'(boné) e Havaianas vieram depois pedir autógrafos, dizendo que a arte de rua no resto do mundo vai mudar, seguindo os passos da pixação paulistana".

O filme

O documentário Pixo tem estreia na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo neste domingo, às 22h30, com mais três reapresentações até o dia 4 de novembro. Mais adiante, João Wainer e Roberto Oliveira, produtor que também ajudou na direção do filme, pretendem exibi-lo no circuito.

"A partir do momento que o filme e a temática são super bem aceitos em Paris, isso começa a abrir um pouco mais a cabeça da galera por aqui também", disse Oliveira. O documentário tem ainda Jorge du Peixe, Racionais, Tejo Damasceno e Instituto e uma música inédita do rapper Sabotage como trilha.

As imagens de acervo de Djan foram lembradas por Roberto. "Ele é mais que uma personagem do filme. O Djan filmava pixação há muito tempo, usamos muito do acervo que ele tinha, imagens que a gente jamais conseguiria fazer", explicou.

Fonte: Especial para Terra
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