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Diretores de 'Família Braz' refletem sobre mudanças do Brasil

10 jun 2011 - 10h51
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No ano de 2000, a jornalista Dorrit Harazim e o cineasta Arthur Fontes lançaram um filme, feito para TV, sobre um família do bairro de Brasilândia, periferia da cidade de São Paulo. A Família Braz mostrava a realidade de um um casal e seus quatro filhos, alguns ainda adolescentes, em tempos difíceis, com renda total que passava apenas um pouco da faixa dos R$ 1000. Uma década depois, Harazim e Fontes e voltaram à Brasilândia para entender o que havia mudado para aquela família. E o resultado pode ser visto a partir desta sexta-feira (10) em algumas salas de cinema do País, com a estreia de Família Braz - Dois Tempos. Confira abaixo a entrevista exclusiva com os diretores do documentário que levou o prêmio maior do Festival É Tudo Verdade deste ano.

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Vocês poderiam nos contar um pouco de como foi o processo de achar a família Braz para o primeiro filme, de 2000?
Dorrit Harazim - Tudo começou com um projeto de filmes para a TV. Eram seis documentários, seis histórias brasileiras. Reuniram dois grupos de profissionais que se conheciam há 30, 40 anos, metade jornalista, metade cineasta. Formaram-se duplas aleatoriamente. Foram meses de conversas, agradáveis, e deliciosas, de imaginar o Brasil que queríamos filmar, por tema, por foco. Pouco a pouco você vai estreitando as opções, mas havia um foco muito claro, e era de que esses temas não seriam exóticos. Seriam temas do dia a dia brasileiro, apenas mostrados sob um ângulo diferente. Um dos temas que nos caiu, e me era querido como jornalista, era tentar ver quem era o brasileiro médio e o que é ser brasileiro médio. Começamos a pesquisar quem seria esse brasileiro médio, o perfil econômico, social, cultural. Começa então a busca individual, dentro desse perfil. No princípio, você bate de porta em porta. Com o tempo, teu leque vai encurtando e aí entra em cena o cineasta que tem o olhar, que o jornalista não tem, do ambiente. Quando achamos então a família Braz, jogamos fora metade das estatísticas. Desistimos de ser científicos porque a família tinha quatro filhos, é negra e tudo isso estava inteiramente fora do perfil desse brasileiro médio. Mas decidimos ir com ela.
Arthur Fontes - A gente queria que fosse uma família normal. Isso nos guiou desde o começo.

Isso porque qualquer desequilíbrio ali puxaria para um personagem?
Dorrit Harazim - Sim, você puxa pro assassinato, pro suicídio, pro doença desesperadora, e aí isso pode tomar conta do filme.
Arthur Fontes - Queríamos uma família absolutamente real, que estivesse na metade da renda do brasileiro. E, nessa época, todos eles juntos ganhavam um pouco mais de R$ 1000.

Um dos irmãos da família Braz fala no filme que não gostaria de sair de Brasilândia porque, uma vez no centro de São Paulo, ele é só mais um. E ali na Brasilândia, ele é mais um analisando a cidade de São Paulo. Esse olhar da periferia para o centro, ou do centro para a periferia, era uma preocupação do filme?
Dorrit Harazim - Isso não foi discutido a priori. Acho que a palavra preocupação é errada, acho que a realidade e o dia a dia deles se transformaram em prioridade. E a prioridade era a maneira deles se expressarem e verem o mundo. Se coincidia com a nossa ou não, se era daqui pra lá, ou de lá pra cá, tanto fazia. Acho que há um problema em se aceitar um documentário que não seja guiado pelo olhar de quem o faz.
Arthur Fontes - O que nos pareceu original era o olhar dessas pessoas. Porque o nosso olhar, do que a gente imagina que seja a periferia, isso a gente constantemente pensa sobre.

Pergunto isso porque existe toda uma estética hoje do cinema nacional nesse olhar sobre a periferia, e essa estética às vezes se torna eticamente complicada.
Arthur Fontes - É porque algumas vezes ela é algo que alguém idealiza. Mas era isso, nossa tentativa era olhar pelo olhar deles, do que eles imaginam que seja São Paulo.

Esse segundo documentário com a família passa a impressão de que há um sentido de cidadania dessas pessoas diretamente ligado ao poder de posse de alguns bens. Como se o consumo representasse uma inserção delas no mundo. Isso ficou claro pra vocês logo nesse reencontro com a família?
Dorrit Harazim - Diria que a própria leitura dos jornais ao longo desses últimos 10 anos tem dado diariamente sinais do que vem acontecendo com o País. Nosso interesse maior era individual, porque o coletivo está nos jornais. Se pega os cadernos de economia dos jornais nos últimos cinco anos, vai ver um crescimento econômico. E você pode ser do PSOL, PT, PSDB...O fato é que o Brasil, Índia e China cresceram. Seria de se esperar que essa família, de alguma maneira, tivesse sua inserção no acesso aos bens de consumo. O que, a meu ver, é mais interessante do que isso, é o quanto essa inserção ao acesso a bens de consumo é, ou não, uma inserção maior na chamada cidadania. E aí fica a critério de cada um.

Faço a pergunta porque na primeira cena desse novo documentário vemos a família reunida com seus quatro carros. A primeira imagem é diretamente ligada ao sentimento de posse.
Dorrit Harazim - Mas é preciso dizer que eles têm quatro carros porque não há transporte público. As políticas públicas não chegaram. Facilitaram o acesso ao consumo, que é outra coisa.

Arthur Fontes - E o que eles vão fazer com a prosperidade é uma decisão deles, se eles vão pegar um avião pra ir pra Fortaleza e fazer cruzeiros é uma escolha deles.

Depois de 10 anos, o acesso novamente à família foi fácil? Eles foram receptivos a esse retorno?
Dorrit Harazim - Como diz o Arthur, foi mais difícil achar o tempo deles. Porque todos têm muito pouco tempo hoje. Trabalham, estudam. Essa foi a maior dificuldade. Sempre houve uma confiança razoável na equipe, e aconteceu de ser a mesma equipe do primeiro filme. Eles nos conheciam, sabiam o resultado do primeiro documentário.
Arthur Fontes - É preciso lembrar que, no primeiro filme, dez anos atrás, eles tinham uma televisão só na casa, então todos se reuniam numa sala para assistir novela. Era mais fácil juntar a família. Agora isso não acontece mais. Se você reparar, em uma passagem que fazemos pela casa, cada quarto tem uma televisão, e cada um chega num horário diferente e ninguém mais tem tempo para assistir TV, e eles quase não mais se cruzam.
Dorrit Harazim - Mas interessante é ver como os valores da família continuam os mesmos. Tudo ainda é "Dona Maria", é "minha mãe isso, minha mãe aquilo".

O filme tem uma edição sem trilha sonora, com respiração da câmera que, às vezes, parece representar o ritmo em que vive aquela família. Houve essa intenção na montagem?
Dorrit Harazim - Sem dúvida. Não queríamos trilha e nada que não fosse do ambiente real. Trilha distrai.

Distrai e cria o olhar...
Dorrit Harazim - Sim, cria o olhar. E o filme é isso mesmo, mais ou menos como é a vida deles.
Arthur Fontes - Tudo era captado. Cachorro latindo, caminhão de lixo passando, a musiquinha do gás.

O documentarista, uma vez lidando com pessoas, tem a sensação de que é preciso dar algo em troca aos objetos do filme?
Dorrit Harazim - Sim, claro. E isso se refere também ao trabalho de jornalista. Porque quando você faz matérias e vai num sei quantas vezes na casa de uma pessoa e revira a vida dela, não sendo ela uma pessoa conhecida ou alguém que tenha as ferramentas para entender o lucro que ela tem sendo personagem de uma reportagem, você sugou e ganhou mais do que deu, independente do retrato que fez. A família pode até se sentir recompensada pelo simples fato de ter sido filmada. O positivo que eu acho neste caso é que a família Braz em nenhum momento deslumbrou. Continuou vivendo a vida dela. E nós, todos os anos, sempre mantivemos contato com eles. Não filmamos durante um mês e fomos embora. Isso nunca aconteceu. É uma forma bizarra, não combinada e não acertada previamente. Mas sim, se criou um vínculo. Porque nos interessa saber deles.

E vocês pretendem voltar daqui a algum tempo a visitar esta família novamente com uma câmera na mão?
Arthur Fontes - Acho que esses 10 anos entre o primeiro e o segundo filme foi o tempo em que tudo mudou na vida da família. Se daqui a 10 anos vai ser interessante? Não sei, tenho curiosidade de pelo menos investigar o que estará acontecendo, mas se vamos fazer um filme ou não, isso não dá pra saber ainda.

Dorrit Harazim e Arthur Fontes, diretores de 'Família Braz - Dois Tempos'
Dorrit Harazim e Arthur Fontes, diretores de 'Família Braz - Dois Tempos'
Foto: Divulgação
Fonte: Terra
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