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Em preto e branco, 'Heleno' é poesia do começo ao fim

14 mar 2012 - 09h01
(atualizado às 11h53)
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Nathália Salvado

Heleno - O Príncipe Maldito é um desses filmes que surpreende na primeira cena, praticamente agarra o telespectador e o obriga a ver no que aquela história vai dar. Logo no começo, Rodrigo Santoro encara o público tão magro e abatido pela doença de seu personagem, o jogador-problema Heleno de Freitas, que chega a ser difícil reconhecê-lo. Na verdade, a atuação de Santoro é tão primorosa que é possível esquecer completamente que ali está um dos atores mais famosos no Brasil, sucesso até em Hollywood. Só se enxerga a alma do personagem e nada mais.

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Rodrigo Santoro aparece irreconhecível na fase em que o jogador está no estágio avançado da sífilis
Rodrigo Santoro aparece irreconhecível na fase em que o jogador está no estágio avançado da sífilis
Foto: Divulgação

Como o próprio protagonista já ressaltou algumas vezes, o filme não é sobre futebol, vai além, por mais clichê que essa afirmação possa parecer. Agrada aos aficionados pelo tema, mas também conquista aqueles que vão ao cinema ver uma história bem contada. Emociona e incomoda ao mostrar o lado conquistador, mulherengo, bruto, extremamente arrogante e completamente apaixonado por futebol do ídolo do Botafogo. É artístico, todo em preto e branco, repleto de detalhes e uma trilha sonora tranquila, que chega até a causar estranheza, cheia de batidas de jazz, blues e uma interpretação razoável de Nature Boy, pelo próprio Santoro.

A história começa já no final da vida do jogador, muito maltratado pela sífilis, que ele mesmo nunca quis tratar, fato repetido constantemente durante todo o longa. Poucas vezes vemos Heleno com a bola no pé ou fazendo a sua jogada mais famosa, a "matada no peito", mas são muitas as que vemos o craque com cigarros, cheirando éter e bebendo champanhe e uísque. Algo justificado na produção com a frase: "um Heleno bêbado e trôpego vale mais do que esses pernas-de-pau por aí".

Outro elemento bem trabalhado no filme é a parceria de Santoro e o ator mineiro Tizumbo, que vive seu enfermeiro no hospital psiquiátrico de Barbacena (MG). A cumplicidade em cena é tanta, que é possível ver um entendimento entre eles nos pequenos gestos. A cena em que o ator carrega Rodrigo Santoro no colo demonstra toda a devoção e carinho que um tem pelo outro. A química de Alinne Moraes, intérprete da mulher de Heleno, e o protagonista também chama atenção, é cheia de paixão, ciúme, ressentimento, mas acima de tudo, repleta de amor. A participação da colombiana Angie Cepeda também merece destaque.

Dois pontos do filme causam dúvidas, um certo desconforto. O primeiro é que todos os jornais da época, muitos deles mostrados no filme de José Henrique Fonseca, dizem que Heleno de Freitas era um "gentleman" fora de campo, mas que dentro dele provocava a torcida e os adversários. Esse lado educado passa batido durante todo o filme. Tudo o que se vê é um jogador cheio de si. Falando na arrogância do craque, que sabia que era bom no que fazia, um dos destaques fica para a "bronca" que ele dá nos companheiros de time após perder o Campeonato Carioca.

Heleno diz que nenhum deles é bom, que são todos covardes, vendidos, que ninguém joga por amor à camisa. Mesmo perdendo, acabam ganhando dinheiro. O jogador vai além e afirma que eles só deveriam ganhar salário se mostrassem resultados em campo. A explosão tem direito a tapas, socos na parede, chutes em armário. Uma cena marcante, que pode alfinetar um pouco os jogadores da atualidade e seus salários milionários.

O segundo ponto incomoda um pouco mais. Muito se fala da dedicação do jogador com a mãe. Heleno manda cartas, pergunta sempre por ela, mas a senhora em questão nunca aparece, o que faz um pouco de falta. O diretor explicou que a ausência dela foi uma questão de escolha, já que não caberia no filme. "Se eu colocasse a mãe, tinha que colocar o pai, que morreu quando ele era pequeno. Se eu colocasse uma cena, aí seria só uma cena. Optamos por fazer assim. Ela está ali, nas cartas, nas conversas", explicou durante a coletiva de imprensa do filme, em São Paulo. Tudo bem, dá para entender, mas que faz falta, faz.

A decisão pelo preto e branco também foi acertada, dá ainda mais vida ao Rio de Janeiro dos anos 40. Ajuda a transportar o público para aquela época fascinante de cassinos, romances, glamour e boa música. Como o próprio diretor explicou, com o preto e branco é possível fazer com que as pessoas imaginem mais, como num bom livro, em que você precisa sonhar com as cores.

A mensagem do filme é simples, mostra um ser humano passional, cheio de vida, apaixonado pela vida, mas que por querer tanta coisa ao mesmo tempo, por ser tão arrogante, acabou se perdendo, corroído pela loucura que a sífilis lhe causou. Apesar disso, só é possível tirar uma conclusão sobre o filme, Heleno de Freitas era um homem como poucos e, acima de tudo, um jogador como poucos. Era suor, sangue, alma e garra. Heleno é pura poesia. Do começo ao fim.

Fonte: Terra
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