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'A Frente Fria que a Chuva Traz' retrata uma juventude vazia

27 abr 2016 - 16h30
(atualizado às 20h01)
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Quem são esses jovens que habitam e povoam A Frente Fria que a Chuva Traz, novo filme de Neville D’Almeida? Eles são uma espécie de versão sincera das personagens de Malhação, uma juventude rebelde sem causa, sem limites e que crê no poder do dinheiro. Este compra tudo – menos algo que cubra o vazio existencial dessas pessoas.

Olhando por esse prisma, o longa baseado numa peça de Mário Bortolotto seria apenas um clichê, mas o veterano cineasta – que também assina o roteiro, e tem no currículo obras como Rio Babilônia (1982) e A Dama do Lotação (1978) - tem algo a dizer sobre o estado do mundo e da nossa juventude.

O cenário é basicamente uma laje numa comunidade carioca qualquer, com uma vista deslumbrante do mar, quase tanto quanto a de uma cobertura cara numa avenida à beira-mar. Jovens ricos alugam o espaço de um morador, Gru (Flávio Bauraqui), para festas para os 'happy few', com muito álcool importado, drogas e (sugestão de) sexo. É nessa premissa simples que Neville e Bortolotto – aqui também interpretando um segurança melancólico – investigam a tensão de classes num Rio de Janeiro cada vez mais estratificado.

Sabemos pouco sobre esses jovens – apenas que são ricos o bastante para gastar sem perguntar o preço, simbolizando toda uma classe que pensa que pode comprar tudo. No comando está Allisson (Johnny Massaro), que organiza a festa, contrata um cantor de sertanejo universitário (Michel Melamed), garante o álcool e as drogas para todos, e, por isso mesmo, acredita que todos estão ao seu dispor, seja o seu amigo (Chay Suede), ou as garotas também ricas que passam o dia tomando sol na laje, interpretadas por atrizes como Natalia Limaverde e Juliana Lohmann – todas mais ou menos a mesma versão de um mesmo estereótipo.

Quem se destaca é a personagem de Bruna Linzmeyer, cujo nome, Amsterdã, tem um quê de profético, indicando seu destino atrás de uma nova droga cena após cena, não importando que o preço disso seja sua degradação em todos os sentidos.

Durante boa parte do tempo, as personagens, quase desnudadas, mais se escondem do que se mostram. Entre um palavrão e outro (os diálogos são uma metralhadora giratória de baixo calão) deixam escapar alguma informação do seu passado. São pessoas infelizes que acreditam estar no topo da vida – seria o alto do morro uma metáfora? – mas estão completamente deslocadas neste cenário.

Os únicos moradores do morro que aparecem são Gru e uma dupla num incidente com uma das garotas. Onde estariam os habitantes dali, então? É esse elemento ausente que dá conta de um Rio de Janeiro cindido. As pessoas mais pobres são invisíveis, não existem na vida dessas personagens – embora, para que eles estejam ali, sem fazer nada o dia todo, esteja implícito que alguém esteja trabalhando.

Neville sabe investigar essa juventude devassa, potencializada com seus palavrões e abundância de pós, comprimidos e cigarros. Curiosamente, o filme, porém, chega a ser pudico quando se trata de sexo – fala-se muito, mas só.

A fotografia de Kika Cunha valoriza a paisagem em um tom ensolarado, em discrepância com a escuridão emocional dessas pessoas. É nessa terra de dissonâncias que está A Frente Fria que a Chuva Traz: Os jovens que não moram no morro desfrutam de um espaço que não é deles. Já o monólogo final da personagem de Bruna Linzmeyer é um tapa na cara da Cidade Maravilhosa, sublinhando mais uma vez os contrastes que constituem a alma do filme.

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