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Exclusivo: Andrucha Waddington fala sobre filmagens de 'Lope'

25 set 2010 - 10h59
(atualizado às 11h30)
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Carol Almeida
Direto do Rio

Foram nove semanas e meia de amor ou, em termos técnicos, de filmagens. Sim, pois que para contar a história de Félix Lope de Vega (1562 - 1635), poeta espanhol de métricas líricas, românticas e, sobretudo, galanteadoras, amor é um elemento por trás e por dentro do filme. A cinebiografia do período de juventude desse artista responde apenas pelo nome de Lope e, depois de passar pelo Festival de Veneza, o título chega ao Rio de Janeiro para fechar a última noite de gala do evento, no dia 6 deoutubro.

Sobre a realização do filme, orçado em 20 milhões de euros, o diretor brasileiro Andrucha Waddington conversou, com exclusividade para o Terra, sobre todo o processo de produção, suas motivações e a combinação de diferentes nacionalidades interpretando uma parte importante da história espanhola. Da varanda a céu aberto no último andar da Conspiração Filmes, co-produtora de Lope, Andrucha, na voz rouca de cigarro e nos cabelos acinzentados que são sempre para onde suas mãos repousam quando ele cria vírgulas no pensamento, explica como se dá seu trabalho antes, durante e depois do set de filmagens.

Em Lope você tem como personagem um homem que pensava e transmitia esse pensamento a partir da poesia. No seu caso, qual o meio que melhor traduz o seu pensamento? É a imagem, o diálogo...?

É a imagem e o diálogo. São as duas formas com que eu me sinto mais à vontade pra transmitir uma ideia. Se fosse pra transmitir uma ideia descrevendo ela seria custoso pra mim. Mas fazer isso por imagem ou diálogo é mais tranquilo.

Digamos então que o trabalho do cineasta é um pouco o de um poeta que precisa rimar a imagem com o diálogo.

Sim. Mas existem cineastas que escrevem. No meu caso eu não tenho habilidade pra escrever e não tenho nenhum problema com isso.

Então a imagem é a primeira coisa que surge pra você...

É. Eu fiz um teste neurológico por desencargo de consciência pra ver como funcionava minha memória. Entrei naquela máquina da tomografia computadorizada com a Lucia Vilaldino Braga, lá do Sarah Kubishek, e ela me contou uma história a partir de fotos que ela ia atirando, uma por segundo. Depois de dez minutos eu comecei a contar de volta a história que ela tinha me contado e nisso eu ativei toda a parte do cérebro que responde à imagem. Pra poder contar aquela história, me lembrava das imagens dela.

Você já escreveu poesias?

Não.

Nem adolescente?

Sim, adolescente já escrevi uns versos, mas nada sério.

Em Lope, assim como em outros filmes seus, você usa muito os planos abertos. O que esses planos abertos te dizem?

Acho que cinema pede respiro. Tem uma hora que você tem que se afastar, tem que contar de longe e ver as coisas de longe. Acho que a linguagem do cinema pede respiros através dos planos abertos. Eles são uma ferramenta narrativa mesmo.

Mas são também esteticamente essenciais pra você ditar de repente uma direção de arte.

Sim, mas é preciso escolher a hora de se afastar, é uma coisa muito intuitiva. Eu, por exemplo, nunca filmo como planejei filmar. Trabalho muito em função dos atores. O processo que adoto pros meus filmes é o seguinte: de seis a oito semanas antes de começar o filme a gente faz muito trabalho de mesa, senta e lê os roteiros com agrupamentos distintos de atores. Conversamos abertamente sobre o arco dramático, o ponto central de cada cena. Há um diálogo muito aberto em que um critica o outro e critica o roteiro pra quando a gente chegar na filmagem esse quesito de esteja muito sólido na cabeça de todo mundo. E aí quando chego no set e com os atores ainda vestidos com as roupas de rua a gente repassa as cenas. A partir do que eles me derem eu posso mudar tudo que tinha planejado.

Você fala bastante em todo o processo de diálogo com os atores. No caso de Lope, como foi sua interferência sua na escolha do elenco?

Durou um ano. Passei um ano vendo o cenário espanhol. As primeiras a entrarem no elenco foram a Pilar López de Ayala e a Leonor Watling. Depois entrou o Juan Diego, o Antonio Dechent, o Selton Mello, a Sonia Braga, o Antonio de la Torre, o Luis Tosar, Ramon Pujol e Carla Nieto. E eu não tinha o "Lope", que é o Alberto Ammann. Na verdade eu tinha algumas opções, só que eu queria um ator desconhecido. Aí as produtoras de elenco me apresentaram um teste do Alberto cinco semanas antes de começarem as filmagens. E aí eu falei: para tudo que esse cara é genial. Passei um dia fazendo audição com ele e ele foi maravilhoso. Os produtores, que queriam um ator mais conhecido no papel, terminaram me dando razão quando viram o teste com o Alberto.

De 0 a 10 qual a importância da construção do personagem no processo narrativo?

A construção do personagem é um trabalho coletivo. É um processo meio que de teatro mesmo que, transferido pro cinema, funciona muito bem. Nunca fiz teatro mas os atores quando trabalham comigo dizem que eu levo esse processo pro trabalho. E isso consiste principalmente em elaborar toda a parte da dramaturgia nas leituras de mesa. E toda a parte da cinematografia a partir da parte dramática que já foi elaborada nos ensaios de set.

O fato de Lope ser interpretado por um ator argentino teve alguma repercussão na Espanha?

Houve, mas na verdade a coisa é a seguinte. O Alberto nasceu na Argentina, mas foi criado na Espanha. Ele viveu lá de um ano de idade aos 10 anos, voltou pra Argentina e depois retornou à Espanha, onde ele já está morando há seis anos. Então ele tem um sotaque absolutamente espanhol e se considera um cidadão espanhol. Houve também um certo ruído pelo fato de eu ser um diretor brasileiro. Mas acho que o cinema é uma linguagem universal. O cinema americano inteligentemente percebeu isso há muito tempo e importa diretores de vários pontos do mundo. Quando li o roteiro desse filme pela primeira vez, conhecia pouco do Lope, mas me apaixonei pela possibilidade de contar a história da fundação de um artista, através de um ícone da cultura espanhola. E aí tive quatro anos pra estudar e ficar familiar à obra de poema e teatral de Lope, à sua biografia, ao Século de Ouro, aos costumes da época. Você se prepara para falar de um assunto.

Na versão espanhola do filme foi suprimida uma cena com Sônia Braga. Algum motivo?

Na verdade a versão espanhola tem 2 minutos e 50 segundos a menos. Tem só uma cena da Sônia que saiu, que é a cena do Lope falando com a mãe na cama. A produção achou que o filme precisava de uma recorte mais rápido no início e aí pediram pra fazer essa edição pra Espanha. Pra mim a integridade do filme não foi afetada por isso.

As filmagens duraram quanto tempo?

Foram nove semanas e meia de filmagem, sete semanas na Espanha e duas e meia no Marrocos. No Marrocos filmamos a parte de Lisboa, do porto... Na verdade a gente aplicou Lisboa atrás, tem um trabalho de pós-produção. Marrocos era uma parte importante na rota de Portugal pras Índias, então há uma arquitetuta portuguesa bem preservada lá e que você não encontra mais em Portugal ou na própria Espanha.

Como surgiu o contato pra fazer o filme e o que clicou em você na hora de embarcar no projeto?

A Columbia Pictures tinha produzido o Eu, Tu, Eles e Casa de Areia. Fui fazer uma sessão pra alguns amigos em Madri dos filmes, numa cabine da Columbia. E quando acabou a sessão, o roteirista de Lope, que é o Jordi Gasull e a Iona de Macedo, que era a executiva de produção da Columbia, me deram o roteiro do filme. Fui pra casa, li e à noite liguei super emocionado e disse: "quero fazer". O que me atraiu foi uma oportunidade de falar de algo contemporâneo com um personagem de época, sobre um jovem buscando seu lugar no mundo, a transição desse jovem se transformando em um adulto, a fundação de um artista, seus primeiros amores. Um ano e meio depois disso a Columbia fechou o escritório de produção lá e aí o Jordi junto com o Edmon Roch que é produtor do filme compraram os direitos de volta da Columbia e a Conspiração de associou. De forma que desde 2006 estamos levantando a engenharia financeira do projeto e a Antena 3 entrou como produtora principal do filme. Antena 3 é um canal de TV lá na Espanha.

Aliás, o Juan Diego que faz o pai da personagem de Pilar López de Ayala é estrela de uma série da Antena 3, Los Hombres de Paco e sei que ele é um ator veterano e respeitado na Espanha.

Sim, ele seria tipo um "Fernando Montenegro" de lá, ou um Paulo Autran.

E a escolha de Selton Mello e Sônia Braga, como foi?

A de Selton Mello aconteceu porque o personagem de Marques de Las Navas era um português e eu, que tinha vontade de trabalhar com Selton há um tempão, achei que ele ia arrebentar naquele personagem que é tão-somente um playboy da época. E a Sônia eu também tinha vontade de trabalhar há muito tempo e achei legal propor pra ela fazer uma velhinha. E ela topou na hora e foi ótimo.

Sobre seus próximos projetos, dá pra falar alguma coisa?

Sou muito supersticioso. Não consigo falar de projetos futuros. Tenho quatro em marcha agora, mas não sei qual vai sair primeiro. O Lope, por exemplo, só fui falar dele depois que acabei as filmagens. Aqui no Brasil era um filme que ninguém sabia que tava acontecendo.

Andrucha Waddington, diretor de 'Lope', e sua mensagem invertida na camisa: "Bem Vindo ao Outro Lado"
Andrucha Waddington, diretor de 'Lope', e sua mensagem invertida na camisa: "Bem Vindo ao Outro Lado"
Foto: Carol Almeida / Terra
Fonte: Terra
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