Síndrome de Down ganha visão cômica e livre de tabus em 'Colegas'
A síndrome de Down ganhou uma abordagem diferente na quarta noite do 40º Festival de Cinema de Gramado, com a exibição de Colegas, de Marcelo Galvão. Exibido com o recurso de audiodescrição - que beneficia portadores de deficiências visuais -, o filme usou muitas referências cinematográficas para criar um clima de fantasia. O road movie, que narra as aventuras de três amigos deficientes que decidem fugir de um instituto interno, se liberta de tabus ao retratar os personagens.
Stallone, Aninha e Márcio trabalham na videoteca da instituição em que vivem e são aficionados por cinema. Inspirados pelo filme Thelma & Louise, eles decidem roubar o carro do jardineiro e lançarem-se à busca de seus sonhos: ver o mar, casar e voar. A narração de Lima Duarte firma a atmosfera de fantasia do enredo, algo como mais um recurso para justificar cenas cômicas que extrapolam a realidade.
O humor, no caso, é elemento fundamental que concede leveza à abordagem da deficiência. Ariel Goldenberg (Stallone) e Breno Viola (Márcio) protagonizam cenas despretensiosas e hilárias. Aninha (Rita Pokk), por sua vez, é meiga e reage com uma naturalidade igualmente cômica às intervenções nonsense de seus colegas.
Outro destaque é a dupla de policiais que persegue os amigos. Com um estilo escrachado que lembra o dos norte-americanos adoradores de rosquinhas, os personagens de Rui Unas e Deto Montenegro não conseguem sucesso em nada que fazem. O primeiro é um português bigodudo que, em uma das mãos, tem apenas o dedo do meio - o que o faz se identificar com os outros "deficientes", como destaca ele. O segundo é um aspirante a galã que não tira seus óculos estilo aviador e tem TOC em ajeitar um topete que cuida com afinco.
Além do conversível vermelho com o qual os amigos percorrem bonitas paisagens entre Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina - que são realçadas pela cores intensas da cuidadosa fotografia -, outros aparatos vintage aparecem na trama. Aparelhos eletrônicos antigos e um show do Raul Seixas, contrapostos por noticiários e referências atuais - como a fala de filmes como Tropa de Elite e MIB: Homens de Preto - dão a sensação de que o filme é atemporal.
A paixão de Stallone, Márcio e Aninha pelo cinema inspiram todo o percurso do trio. Eles, que chegam a assaltar lugares como lojas de conveniência, mercados e restaurantes, usam máscaras e revivem cenas de filmes. São citadas produções como A Vida é Bela, Pulp Fiction, Cidade de Deus, Psicose, E o Vento Levou, 8 1/2,, entre outras.
"A ideia é mostrar um filme gostoso, divertido. A partir do momento que vocês esquecem que eles têm Down, estamos fazendo uma inclusão", observou o diretor, que fez questão de incluir a sexualidade entre os personagens. Além das constantes cantadas de Márcio em mulheres que cruzam seu caminho, Stallone e Aninha, que são casados na vida real, protagonizam uma cena de sexo, livre de preconceitos e assistencialismo.