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Diretor José Padilha fala sobre o documentário 'Garapa'

12 fev 2009 - 12h20
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José Padilha veio para Berlim direto dos Estados Unidos, onde foi encontrar os roteiristas de sua primeira direção em Hollywood. The Sigma Protocol, título inicial de trabalho e homônimo do livro de Robert Ludlum, ainda está na fase de tratamento do roteiro pelos profissionais que assinaram Homem de Ferro (2008) e Padilha não quer adiantar expectativas se o thriller psicológico será ou não rodado. "Lá (Hollywood) é assim, um projeto tem roteiro, diretor, atores etc., mas pode não sair do papel", disse ao Terra em entrevista exclusiva.

Padilha prefere, claro, falar de Garapa, o documentário sobre fome que o traz de volta a Berlinale depois do Urso de Ouro no ano passado por Tropa de Elite. A primeira sessão ocorreu ontem e o filme foi recebido em silêncio, mas um silêncio de impacto pela situação em cena, como apontou um espectador na conversa com o diretor logo após a sessão. Afinal, a miséria, a falta de alimentos e os personagens no limite da sobrevivência causam mais perplexidade aqui do que provavelmente causarão nas platéias brasileiras.

Padilha já tinha todo o material pronto para o documentário, a que se dedicou por cinco anos, quando foi obrigado a parar para filmar Tropa de Elite. "Saiu o dinheiro do filme e tinha de ser naquele momento". Garapa, ele acredita, pode trazer algo para os brasileiros refletirem. "Há quem saiba dessa tragédia e há quem desconheça". De uma certa forma, foi isso que o impulsionou a fazer o filme. A partir de conversas no Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, o Ibase, no qual o diretor já tinha relação em função de Onibus 174, Padilha tomou conhecimento do drama da fome no Nordeste e da adoção pelas famílias da garapa. Trata-se do nome corriqueiro dado à mistura de água e açúcar, que naquela situação torna-se suplemento alimentar.

Com a ajuda do Ibase, cujo maior interlocutor foi o estudioso Francisco Menezes, o diretor partiu para o Ceará, onde filmou três famílias que sofrem com a fome. "Não houve nenhum contato prévio com essas pessoas; cheguei e coloquei a câmera para rodar", explica. "Fui a um posto de nutrição do governo, onde achei uma das personagens e dali passei a acompanhá-la, indo até sua casa, conhecendo seus filhos e marido".Com esse formato também para os demais clãs, o documentário por vezes aborda programas governamentais como o Fome Zero e o Bolsa Família. "Mas não é sobre isso, como algumas pessoas que não viram o filme começaram a falar; é simplesmente sobre como uma família com fome sobrevive no dia-a-dia e só; não é político, apenas mostra naturalmente como o governo está presente, pois os personagens falam disso". Padilha se refere a uma polêmica surgida em artigos na imprensa que questionaram a intenção do diretor de fazer com seu filme uma amostragem ampla de toda a questão da fome no Brasil, focando números que aparentemente não condiziam com a realidade. "Nunca pretendi isso; quem me questionou quis fazer uma crítica preventiva". Quanto aos números, o diretor utiliza textos no início e no final a partir de fontes como a ONU.

Outra polêmica que começa a surgir diz respeito a momentos de interferência do cineasta durante as filmagens. São perguntas ou uma sugestão de reflexão, além de uma passagem em que dá um analgésico a uma criança com dor de dente. Padilha explica ao pai do menino que não se trata de um remédio de cura, mas sim de alívio para dor. "Faço isso poucas vezes, quando senti que era inevitável ficar alheio a tudo aqui", justifica. "Não sou do tipo de realizador distante, mas posso ser quando não há motivo para interferir; naqueles momentos, eu tinha que perguntar, por exemplo, por que não conseguir um emprego, por que ter mais filhos; você e qualquer espectador fariam o mesmo."

Em outra cena que pode ser questionada, Padilha mostra o início de uma briga entre um dos casais, mas nota sua intrusão e sai com a câmera para fora da casa. "Quis deixar para o espectador tudo que testemunhei naquelas famílias. Poderia tirar tudo que é desagradável na montagem, mas aí sobraria o quê? Nesse caso específico, eu não continuei mostrando a briga, simplesmente saí". Padilha acrescenta que não quis priorizar o estilo de filmagem ao material colhido. "Não sou um dogmático, não vou me colocar desse ou daquele jeito na filmagem, se fiquei preocupado com algo, uma briga, uma situação entre os personagens, vou mostrar isso."

Fonte: Especial para Terra
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