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'A Próxima Estação': esforço de Fernando Solanas em analisar crise

4 out 2009 - 10h06
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Há apenas alguns meses em seu segundo mandato como deputado federal pela província de Buenos Aires, o cineasta argentino Fernando Solanas já se deu conta de que a vida pública é muita mais penosa do que fazer filmes políticos. A primeira experiência como parlamentar aconteceu no início dos anos 1990, mas a energia e os inimigos do diretor, autor de obras essenciais para entender a história da Argentina, como A Viagem (1992) e Memórias do Saqueio (2002), eram outros.

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"Cinema é minha profissão, vivo dela. Política é outra coisa, é construção social, buscar consensos, o que é muito difícil em um país vasto e complexo", analisa Solanas, de 73 anos, 55 deles dedicados à militância, que está na cidade como convidado do Festival do Rio. "Era muito jovem quando comecei essa minha vida dupla. Os problemas mudaram mas pelo menos minha determinação de continuar fazendo análises históricas da realidade do meu país continua intacta".

Solanas se ausentou de seus compromissos como parlamentar para acompanhar a exibição de A Próxima Estação, seu mais novo documentário, na mostra Première Latina. Vencedor do Prêmio Especial do Júri do Festival de Gramado desse ano, o longa investiga o processo de desmantelamento da malha ferroviária argentina, que passou dos 40 mil quilômetros de extensão, em sua época de ouro, nos anos 30 mil do século passado, para os atuais 7 mil quilômetros.

É o quarto desdobramento de uma série seis produções sobre sobre diferentes aspectos da crise econômica da Argentina. Precedido por Memórias do Saqueio (2001), La Dignidad de los Nadies (2006), e Argentina Latente (2007), o filme, que ainda não tem distribuição garantida no Brasil, tem sessões domingo, segunda e terça-feira.

"De certa forma, esta série continua o caminho aberto por A Hora dos Fornos, sobre a dependência econômica e cultural da Argentina, que fiz em 1968, quando me iniciei no cinema testemunhal, de ensaio histórico, sociológico e político - compara Solanas.

A Próxima Estação refaz a trajetória da formação da malha ferroviária do país, iniciada em meados do século 19, e que foi sendo paulatinamente desfeita e sucateada em favor de interesses da indústria automotiva. O esvaziamento do sistema de trens da argentinos atingiu seu pico no início dos anos 90, quando o então presidente Carlos Menem privatizou a rede, ato que resultou na demissão de 80 mil trabalhadores, na conversão de 800 povoados em cidades fantasmas e na migração de um milhão de pessoas do interior para as capitais.

Ao mesmo tempo em que percorre a Argentina em busca de depoimentos de cidadãos afetados pela crise no setor, Solanas bate na porta dos escritórios de especialistas e autoridades públicas pedindo explicações sobre o desmantelamento da rede. A Justiça argentina está abarrotada de processos contra empresários, sindicalistas e governantes corruptos, que nunca chegaram aos tribunais. A empreiteira brasileira Camargo Correa surge entre as companhias coniventes com a situação. Em Gramado, Daniel Samin, produtor do filme, confessou que os realizadores chegaram a pensar em investigar a decadência das ferrovias de todos os países da América Latina.

"É problema comum aos países do continente, vítimas do mesmo plano americano de expansão do consumo de petróleo. Mostrei o filme para os mexicanos e as pessoas se perguntavam: 'É aqui no México?'", conta o diretor, que é casado com a atriz brasileira Ângela Correa. "Países tão grandes, com geografias tão especiais não podem existir sem ferrovias. É o modelo de transporte mais seguro e menos poluente que há. O automóvel está falido, a gente não se move em grandes cidades como São Paulo, Rio e Buenos Aires. Na Europa, se vai de trem para o trabalho."`

Para Solanas, os projetos cinematográficos alimentam os políticos e vice-versa. A série que mergulha nas causas e consequências da falência econômica Argentina, iniciada na virada do século, e que gerou graves sequelas sociais, é uma forma de o povo argentino redescobrir o seu país.

"A série mostra uma Argentina que os argentinos não conhecem direito. É um olhar meu, que passo para a próxima geração. Os filmes serão exibidos em todas universidades e colégios (secundários) do país", informa o diretor, que andava pelo Rio sexta-feira com a camiseta do Projeto Sur, criado por ele, que reúne quase 30 intelectuais e dirigentes sociais em torno de propostas de reconstrução da Argentina. "Éramos o país da América Latina com maior diversidade social e, portanto, com menos pobres. Terminamos desnutridos, com uma dívida externa monumental".

A Próxima Estação, de Fernando Solanas
A Próxima Estação, de Fernando Solanas
Foto: Divulgação
Jornal do Brasil Jornal do Brasil
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