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'A Suprema Felicidade', de Jabor, se excede na nostalgia

24 set 2010 - 04h00
(atualizado às 04h23)
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Carol Almeida
Direto do Rio

O personagem principal é bem familiar ao autor, tanto que suspeita-se tratar de um filme autobiográfico ou, se não, intimamente memorial. Por todo esse conhecimento de causa com o protagonista que vai e volta no tempo em A Surprema Felicidade, Arnaldo Jabor, diretor de clássicos como Eu Te Amo (1981) e Eu Sei que Vou Te Amar (1986), bem que poderia descacar camadas mais profundas na identidade desse jovem chamado Paulo, que tanto enquanto menino, adolescente ou homem já formado parece sempre passar pelo filme como uma folha de papel em branco, guiado por sequências que servem muito mais à imagem encerrada nela mesma do que aos personagens que ilustram seu retrato.

Preocupado em ilustrar vários momentos gravados em seu HD pessoal, Jabor volta a fazer cinema com uma colagem de cartões-postais, cheios de pessoas e cenários nostálgicos que poderiam facilmente prestar serviço a uma campanha dos tempos de outrora que não voltam mais, do avô boêmio que mima o neto com histórias do céu e, mais tarde, com contos da própria boemia, das pequenas perversões pelos corredores dos colégios religiosos, da iniciação sexual em "familiares" casas de prostituição, do pipoqueiro tarado contador de causos. Mas eis que o filme termina e esses retalhos não conseguem se costurar em um colcha.

Os personagens ficam então à deriva de um roteiro com diálogos pesados e marcações de cenas completamente enrijecidas - e não num bom sentido. Frases e movimentos soam muitas vezes teatrais e não conseguem bailar no mesmo passo das imagens. A edição picota o espaço temporal do filme em um vai-e-vem que só prejudica a evolução do personagem central. Quanto às figuras secundárias, a exceção do avô interpretado por Marco Nanini, ator que suga completamente tudo a sua volta - ainda que seu talento seja tão grande a ponto de emanar forças para quem contracena com ele -, elas entram e saem de cena ora excessivas, ora apáticas.

Para demonstrar melhor como isso acontece, tomemos a sinopse do filme. Paulo é visto em três idades diferentes, neste caso interpretados, na ordem de crescimento, por Caio Manhente (da novela Viver a Vida), Michel Joelsas (O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias) e Jayme Matarazzo (da novela Escrito nas Estrelas). Em cada uma dessas idades, o estado de espírito de Paulo supostamente deveria variar de acordo com o relacionamento de seus pais, que começam o filme gemendo na cama para não muito depois chorarem na escada. Supostamente porque sempre que a história dá brecha para que se crie um conflito plausível na vida de Paulo, o roteiro desvia toda a carga emocional dele para outras distrações, seja o avô quando criança ou as mulheres quando adolescente e adulto.

Os personagens de Dan Stulbach e Mariana Lima, pai e mãe do protagonista, têm discursos monotemáticos cuja dimensão não vai além da óbvia sequência paixão > amor > tédio > frustração > amargura > traição. O tom acima das falas e uma direção de atores que poderia conter um excessivo alargamento dos gestos (mas em vez disso parece estimulá-las, talvez na intenção de emular uma estética felliniana) deixa A Suprema Felicidade um filme de vários tiques nervosos. E, pelas inúmeras cenas de mulheres seminuas, fica uma sensação de que os fantasmas da pornochanchada ainda susurram palavras de conforto no ouvido de Jabor.

O filme, que poderia facilmente ser um musical - e se assim fosse não entraria em descompasso com essa proposta memorialista e nostálgica - pode e deve agradar a alguma parcela da população que entende nesse recorte um projeto de resgatar imagens desbotadas. Até aí tudo lindo e poético. O problema é que não há album de fotografia sem histórias sólidas por trás do sorriso posado.

Jayme Matarazzo e Maria Flor em cena de 'A Suprema Felicidade'
Jayme Matarazzo e Maria Flor em cena de 'A Suprema Felicidade'
Foto: Divulgação
Fonte: Terra
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