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Diretor de 'Plata Quemada' reflete sobre cinema argentino

25 set 2010 - 02h27
(atualizado às 02h46)
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Carol Almeida
Direto do Rio

Jogue uma ideia na mesa e deixe Marcelo Piñeyro falar. O diretor de Viúvas Sempre Às Quintas, filme que, entre os argentinos, é mais procurado pelo público no Festival do Rio, fica muito à vontade para articular pensamentos sobre o processo de fazer cinema. Em uma conversa a respeito de roteiros e construção de personagens, o cineasta argentino dá sua opinião sobre os motivos da solidez dos mais recentes filmes criados pelos "hermanos" e fala sobre suas referências e motivações.

Também conhecido como o diretor de Plata Quemada, premiado filme de 2000 que tinha como protagonistas dois homens que formavam um casal de bandidos, Piñeyro comenta sobre a evolução que filmes com personagens gays tiveram de 10 anos para cá. Confira tudo isso na entrevista exclusiva abaixo.

Aqui no Brasil, costuma-se comparar muito a qualidade do cinema nacional com a solidez do cinema argentino, particularmente no aspecto de construção de roteiros. Como você percebe isso?

Toda comparação é injusta, então prefiro não comparar para não ser injusto. Penso que o cinema argentino é um cinema sólido, que está crescendo muito bem, porque é um cinema muito heterogêneo e acho até parecido algumas vezes com o cinema brasileiro. Pelo menos no que vejo do que se faz no Brasil. Mas em questão de qualidade, a história do cinema brasileiro é muito sólida, atrativa, com grandes histórias e grandes atores.Vi recentemente um filme de Karim Ainouz e Marcelo Gomes que gostei muito, se chama Viajo Porque Preciso e Volto Porque Te Amo. Esse é um filme estupendo, de uma liberdade, de uma profundidade e lirismo sensacionais.

Ainda nessa questão do roteiro, um ponto que se costuma criticar no cinema nacional é que muitas vezes o contexto do filme vem em primeiro plano e os personagens vêm depois. Como você lida com a criação de personagens?

No meu caso é uma coisa pessoal, trabalho muito a construção do personagem. Me preocupo mais com os personagens mais do que o entorno em que eles estão. O que o cerca também pode o determinar, ajuda a entendê-lo e em muitos casos aquilo que o cerca é determinante de quem é o personagem, mas não sei se todo o cinema argentino faz dessa forma, essa é a maneira como eu vejo as coisas.

O que mais te interessa em uma história?

Acho que até este momento no meu trabalho, o que me interessa é lidar com aquele momento em que um personagem que tem pulsões e desehos próprios se choca e colide com uma outra realidade. De uma maneira geral, cada filme meu têm sido o relato dessa colisão. Do batida entre os impulsos do personagem com a realidade da sociedade em que ele vive.

A ideia do personagem pode partir do próprio conflito?

Às vezes ele parte do conflito, mas só consigo pensar nisso posteriormente, não calculo isso previamente. Quando penso em um filme penso apenas em personagens que me seduzem, que têm a ver com algum aspecto de algo que quero contar. Pra mim, a trama também importa muito, uma história que você sente que é potente é sempre interessante. Ou seja, penso em coisas elementares quando começo a fazer um filme. São pulsões muito mais emocionais nessa etapa construtiva. Poucas são as coisas racionais que me motivam a elegar uma história que quero contar.

Qual sua relação com teus filmes depois que eles estão prontos?

Depois de prontos tenho um profundo desapego a eles. Acho que um filme é totalmente meu até o ponto em que o termino. Depois que acaba meu trabalho, o filme é do espectador. O cinema não são as latas de películas, a câmera, os equipamentos. Cinema é o vínculo que aquela história cria com quem a assiste. Esse vínculo é instranferível e absolutamente individual, tanto que vendo um mesmo filme as pessoas têm visões distintas dele e é nesse sentido que digo que a partir do momento em que concluo o filme, ele deixa de ser meu e passa a ser de quem o assiste. Ao assistir alguns filmes meus, pessoas já viram coisas que pra mim eram inimagináveis, mas não por isso eram coisas menos sólidas e lícitas.

Imagino que quando você estreou Plata Quemada, o filme deva ter passado por vários festivais gays e lésbicos. Mas hoje, para citar a programação do Festival do Rio como exemplo, os filmes com personagens gays estão em mostras que não precisam ter esse rótulo. Você acha que a orientação sexual de personagens ainda pode separar um filme por tema?

Não questiono mostras ou festivais de filmes gays e lésbicos, acho que é importante que eles existam. Ao mesmo tempo, quando se fala em filmes gays e lésbicos, de algum modo se cria uma separação, uma segregação e, nesse aspecto, entro em desacordo. Estamos passando por uma época que essa separação está se diluindo. No entanto, possivelmente, para chegar a este ponto precisamos ter que passar pelo gueto lá atrás. Plata Quemada tem 10 anos de concluído. Hoje na Argentina já está sancionado por lei o matrimônio gay, mas quando o filme estreou, ele foi proibido de ser exibido na televisão porque fazia "apologia" de um comportamento gay. E como se vê, muitas coisas se passaram desde então. A sociedade cresceu e amadureceu. E sem dúvidas filmes como Plata Quemada e tantos outros participaram desse processo de mudança.

Vi que seu novo filme, Viúvas Sempre às Quintas, chegou a ser comparado ao trabalho de Luchino Visconti. Existem referências de diretores em teu trabalho?

Visconti? Uau, que ótimo. É claro que no começo você se inspira em alguns diretores que considera mestres. Mas de Plata Quemada para cá, não me sinto referenciando outros diretores ou outros filmes. Engraçado que quando Viúvas Sempre Às Quintas estreou na Espanha há alguns meses, lembro que a crítica relacionou muito o filme com A Fita Branca, de Michael Haneke. O que foi estranho é que não foi apenas um crítico, foram vários. Lembro agora da frase do El País: "O filme demonstra que o problema plantado na Fita Branca - que culmina com a violenta expulsão dos excluídos em um éden perverso - não tem que ser conjugado, necessariamente, no passado." A frase é boa, o olhar é interessante. Mas não é como eu vejo o filme. No entanto, respeito todos os olhares sobre ele.

Agora, falando em Visconti, sim, esse é um diretor que muito admiro, com paixão mesmo. Ele foi muito importante em minha etapa de formação. Filmes como O Leopardo, Rocco e seus Irmãos são muiito importantes pra mim, porque Visconti conseguia fazer uma coisa com a qual eu adoraria trabalhar, que é essa articulação entre o público e o privado, como a indagação do privado te revela o que é público.

Do que se tratam seus próximos filmes: Ismael e La Mitad?

Bem, La Mitad é um projeto que está totalmente estacionado e por agora não vou fazê-lo, porque é um filme com um olhar muito, muito amargo do presente e é de algum modo uma história sobre a morte. Não quero fazer isso agora. Ismael é de fato meu próximo trabalho, começo a filmar em outubro do ano que vem e estou fechando o roteiro agora. Trata de uma família tradicional que está em crise. Porque se mudam os modelos de família, mas não muda a necessidade que temos de nos conformarmos em alguma forma de família. Será uma espécie de comédia sobre essa carência de afeto e o impulso feroz de negar essa mesma carência.

Marcelo Piñeyro veio ao Festival do Rio para apresentar 'Viúvas Sempre Às Quintas'
Marcelo Piñeyro veio ao Festival do Rio para apresentar 'Viúvas Sempre Às Quintas'
Foto: Carol Almeida / Terra
Fonte: Terra
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