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Filme sobre Gretchen exibe estranhas verdades sobre o Brasil

25 set 2010 - 17h51
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Carol Almeida
Direto do Rio

Na parede mal pintada, a imagem de Nossa Senhora. Há pouca luz no espaço e enquadramento não é exatamente prioridade. Importante aqui é mostrar Gretchen pedindo por telefone que sua água não seja cortada. Por favor. O documentário se chama Gretchen: Filme Estrada e, no processo de sugação da personagem, ali tão exposta à sua própria mal formada ideia sobre as implicações da fama, a protagonista tenta responder por suas verdades. E a verdade é uma ideia bastante rica aqui.

Afinal de contas, estamos falando do filme sobre uma mulher que clama para si o título de uma artista tão paradigmática para o Brasil quanto foi Leila Diniz e, ao mesmo tempo em que desfila seu "freak le boom boom" por circos decadentes do interior do Nordeste brasileiro, trabalha na campanha para prefeita de Itamaracá, uma ilha no litoral norte pernambucano que, na imagem refletida de Gretchen, parede resumir não apenas uma personagem, mas um país inteiro dedicado a cultivar suas próprias rejeições, do ponto de vista cultural e, por tabela, político.

O documentário de Paschoal Samora e Eliane Brum, que estreou no Festival do Rio, é cínico, cruel, um tanto mal intencionado e, por tudo isso, estranhamente verdadeiro. Explora a imagem de Gretchen porque ela, na sua íntima verdade, acredita no filme como um benefício no fim das contas. Contas estas que, a propósito, ela não consegue pagar. Nas palavras do próprio Paschoal, que narra algumas passagens do documentário como que para justificar algumas decisões, este é um filme sobre "usos, em que todo mundo usa todo mundo". Gretchen é usada pelos diretores e os usa de volta para seus próprios fins que, neste caso específico, significa poder ajudá-la a promover sua campanha para prefeita.

Esse uso é uma verdade constante do cinema documental e poucos ousam falar isso em voz alta. A partir do ponto em que admite esse exercício, o filme ganha em ironia, grifando fatos que, por exemplo, passam despercebidos pelo espectador, tal como a autorização do uso da imagem por quem tem seu rosto ou sua voz registrado.

O filme cola então na cantora de três hits - Freak Le boom boom, Conga Conga Conga e Je Suis La Femme -, músicas que ela é obrigada a escutar todos os dias de sua vida, há 30 anos, em depoimento deveras tocante. Nas suas pegadas, a produção chega a cidades em que a cantora faz uns trocados se apresentando em circos de lonas gastas, cadeiras quebradas e uma plateia escassa e cansada.

Intercalando esse movimento "on the road", o documentário mostra as idas e vindas da campanha política da cantora, cujo discurso reproduz a ideia de que, no Brasil, há uma complicada relação entre a autoestima das pessoas e um monstro disforme chamado mídia.

Em tempos de eleições, o filme é de fato um toque na campaninha da consciência sobre como parte da população brasileira lida com o público e o privado, o "artista" e a "pessoa", a verdade falada e a verdade sentida. Não deixa de provocar uma oportuna reflexão sobre alguns candidatos que, vai eleição e vem eleição, surgem como totens do fracasso que faz sucesso.

Documentário "Gretchen: Filme Estrada" acompanhou a campanha da cantora para prefeita de Ilha de Itamaracá, no Pernambuco
Documentário "Gretchen: Filme Estrada" acompanhou a campanha da cantora para prefeita de Ilha de Itamaracá, no Pernambuco
Foto: Divulgação
Fonte: Terra
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