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'Viúvas Sempre Às Quintas' abre ferida entre público e privado

27 set 2010 - 21h34
(atualizado em 28/9/2010 às 00h55)
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Carol Almeida
Direto do Rio

Estamos em dezembro de 2001, em algum condomínio de luxo em Buenos Aires, onde as casas e as ruas lembram que, para ser bem-sucedido, é preciso se adequar à arquitetura da normalidade e saber que, se as aparências enganam, a verdade destrói. Os homens vestem camisas Tommy Hilfiger ou Lacoste, as mulheres estão sempre com os cabelos e a pele impecáveis e, enquanto isso, o uísque esconde a culpa. Porém, a bolha está para estourar. Afinal de contas, dezembro de 2001 é quando a economia desmorona na Argentina, os bancos congelam as contas e a sociedade dos bem-nascidos se depara com a possibilidade de perder suas piscinas e, mais grave ainda, a cortina de tafetá que cobre suas angústias mais íntimas.

É nesse contexto que Marcelo Piñeyro (de Plata Quemada e Kamchatka) faz Viúvas Sempre Às Quintas e cria mais um filme de sutis mensagens sobre como as pessoas lidam com a frustração de ter que representar sempre uma imagem para o benefício de um bem-estar público e privado. Aliás, se a crise argentina é pano de fundo dessa história, o conturbado casamento entre público e privado é o tema central dela. O fato dessa história se passar em um espaço físico do tipo Alphaville, nos lembra que a estética dos condomínios fechados é sempre pano para as mangas para o conflito entre essas duas esferas. A lembrar séries recentes como Desperate Housewives e Weeds.

Os créditos de abertura logo antecipam o ponto de clímax dessa narrativa. É noite e vemos os corpos de três homens boiando sobre a cristalina água azul de uma piscina. Já cientes do desfecho dessa história, somos induzidos então a procurar fissuras de personalidades nas cenas que vão recapitular essa trama bem antes daquele evento fúnebre. E não se trata de um roteiro de investigações policiais. O mistério não é quem, como ou quando. É o porquê.

Quanto aos protagonistas, eles se dividem em quatro famílias, três casais com filhos e um mais jovem casal que acaba de chegar ao condomínio e ainda está na chamada "Love zone", como cita uma das personagens. Convivendo com as brechas do que cada um pode extrair do outro, os personagens se comunicam como que para justificar o conforto que eles aparentam ter.

E aí se cria uma Quaderna que não é exatamente de amor, mas de tolerância: O brincalhão bon vivant que se vê como fardo para sua esposa, que não consegue lidar com o isolamento de seu filho, que se relaciona com a filha de uma mulher que acredita na estabilidade financeira de seu marido, que fica pasmo com a placidez de seu melhor amigo, que é apaixonado por sua mulher, que é apaixonada pela mulher do outro, que tem sérios e agressivos problemas psicológicos, que odeia homens brincalhões. O ciclo se fecha tal como as pessoas dentro dele.

Importante pontuar que se existe algum elemento de coesão no cinema argentino, ele é a maturação da ideia do personagem. No entanto, boa parte dos grandes títulos argentinos desses últimos anos concentra seus esforços em um pequeno núcleo de personagens por onde os diretores e roteiristas alinham a história. Com Viúvas Sempre Às Quintas, Piñeyro consegue costurar bem a fina linha que sustenta um grande grupo de pessoas ligados pela mensagem de que viver bem exige sacrifícios às vezes por demais penosos.

Cena de 'Viúvas Sempre às Quintas'
Cena de 'Viúvas Sempre às Quintas'
Foto: Divulgação
Fonte: Terra
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