PUBLICIDADE

Rio dos pacotes turísticos vira piada em 'Rio, Sex, Comedy'

2 out 2010 - 13h44
(atualizado às 14h37)
Compartilhar

Carol Almeida
Direto do Rio

Mais R$ 20 e você consegue tirar uma foto ao lado de um original traficante de drogas e sua AK-47. O fato, citado no filme em um contexto fictício, é não obstante real e expõe o olhar emoldurado e estetizado das favelas cariocas e das pessoas que nela vivem. Com Rio, Sex, Comedy, essa leitura pra turista ver do Rio de Janeiro ganha finalmente uma abordagem irônica numa história que, sem ranços dramáticos e muita sensibilidade para achar a piada nossa de cada dia, consegue, muito mais do que postulados científicos, revelar nossas ideias preconcebidas do outro e, portanto, de nós mesmos.

O novo filme de Jonathan Nossiter (Mondovino), diretor americano que há seis anos reside no Rio de Janeiro, busca em três olhares estrangeiros o Rio de Janeiro que mesmo nós brasileiros nos acostumamos a rotular, para o bem-estar de nosso conforto em nos distinguir diante da diferença.

As histórias que tecem o filme partem de: 1) Um embaixador americano completamente frustrado com a política de torre de marfim que seu país estabeleceu com a "periferia" do mundo, 2) Uma cirurgiã plástica inglesa mais preocupada com a identidade interior do que a expressão exterior de seus pacientes e 3) uma antropóloga francesa que, enquanto verbaliza um discurso de revoluções sociais, estabelece uma relação colonialista com sua empregada doméstica.

Desses gringos, Nossiter faz um filme sobre como os clichês e os preconceitos moldam a paisagem humana e revelam que nossa postura frente ao estranho é sempre um tanto cega. Propositalmente cega. E o que poderia ser um filme dramaticamente tenso, se torna divertidamente denso. Isso porque, ao entrecortar cenas completamente fictícias com momentos explicitamente documentais - "blend" ao qual o diretor é acostumado a fazer - o filme nos revela a fina ironia de estarmos sempre enjaulados em estigmas.

O elenco embarcou na ideia do diretor e conseguiu, ainda que com núcleos de personagens distintos, dar uma unidade ao filme no melhor estilo Robert Altman de tecer colchas de retalhos. Charlotte Rampling, atriz mais conhecida por papéis sisudos (a lembrar sua recente perturbada escritora no suspense À Beira da Piscina), está brilhante como a cirurgiã plástica meio hippie, cujo questionamento sobre a ideia da beleza a liberta para uma vida com mais sol e senso de humor (um quadro com aspas da atriz norueguesa Liv Ullman na parede de seu consultório dá o tom certo de sua ironia britânica).

Irène Jacob, até hoje reconhecida como a diva maior do diretor polonês Krzysztof Kieslowski nos filmes A Dupla Vida de Veronique e A Fraternidade é Vermelha, se expõe sem medo, e literalmente de corpo e alma, como a típica antropóloga francesa de esquerda que jura que vai mudar o mundo em seu plano de ideias, sem conseguir, no entanto, manter a mesma dignidade em seu plano de ações.

Mas entre o elenco estrangeiro, uma das mais gratas surpresas mesmo deste filme é o ator Bill Pullman. O homem que até hoje é reconhecido na rua como o ex-presidente americano - seu papel no megasucesso de bilheteria Independence Day - vive aqui um embaixador americano entediado com os protocolos de distanciamento social entre ele e o lado de fora da janela fumê do carro. Há uma inteligência rara em sua noção de tempo para a comédia do absurdo e o absurdo é o meio pelo qual Rio, Sex, Comedy comunica sua mensagem.

O Rio de Janeiro das favelas violentas, das mulheres que vendem seu corpo como quem bebe água, das telenovelas dramáticas, da malandragem, da obsessão pela beleza física e até mesmo da ideia de que a cidade é co-habitada por índios - o que seria o Brasil senão uma grande floresta amazônica cheia de índias virgens? - vira um espetáculo do mais puro absurdo que, curiosamente, continua a ser vendido lá fora e aqui dentro em pacotes turísticos de larga aceitação.

O filme se torna então o tipo de comédia com uma leitura social que vai crescendo na sua cabeça horas depois de subirem os créditos finais. E ainda que a história se torne um tanto longa em alguns momentos - possivelmente a edição de algumas cenas resolveria o problema - Rio, Sex, Comedy te dará a certeza de que o riso sempre nasce daquela velha opinião formada sobre tudo.

Confira no link abaixo a entrevista com o diretor do filme.

Irène Jacob em cena do filme 'Rio, Sex, Comedy'
Irène Jacob em cena do filme 'Rio, Sex, Comedy'
Foto: Divulgação
Fonte: Terra
Compartilhar
Publicidade