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Para diretor Amos Gitai, diálogo entre Israel e Palestina empacou

4 out 2010 - 20h37
(atualizado às 20h43)
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Carol Almeida
Direto do Rio

Amos Gitai fala baixo, quase inaudível. O diretor de um cinema que se atém a lidar sempre com os conflitos internos em cenários de guerras externas, particularmente àquelas que envolvem o embate judeus x palestinos, é alguém que reproduz em seu tom de voz a visão de que o mundo lá fora parte sempre de problemas mais graves da janela para dentro, no baixo volume da reflexão. O cineasta israelense, que esteve pelo Festival do Rio nesta última semana para prestigiar a mostra retrospectiva de seu trabalho, conversou com o Terra sobre seu cinema e, por tabela, o olhar que lança diante da realidade com a qual convive.

Sempre quando questionado sobre posições políticas, opiniões sobre a humanidade e perspectivas de paz e guerra, o diretor judeu educadamente desvia o assunto para dizer que todos os grandes cenários são, no fundo, espelho de microcosmos de histórias e, estas sim, lhe interessam. "Gosto de trabalhar com microcosmo porque é uma maneira de se evitar generalizações", se justifica.

O exemplo desse dilema do micro e do macro ele explica : "Depois de fazer meu primeiro documentário, fui viver na França e um amigo meu, que sabia que eu estava procurando trabalho, me perguntou: "Por que você não faz um filme sobre o Terceiro Mundo?". E eu disse: "Qual é, como vou fazer um filme sobre o Terceiro Mundo?"Aí um dia, em minha geladeira, acho uma lata de suco de abacaxi. E vejo que aquele produto foi produzido nas Filipinas, empacotado em Honolulu, distribuído por São Francisco e, quando raspei a lata, vi que ela era impressa no Japão. No que pensei: "Tá, vou contar então uma história sobre o Terceiro Mundo, basta você comprar pra mim cinco passagens em volta do planeta".

Para ele, portanto, a generalização sempre parte de um universo muito pequeno, tal como uma geladeira. E, no caso do multinacional abacaxi acima citado, ele terminou de fato virando um filme, Ananas documentário de 1984. No que diz respeito a essa mesma produção documental, Gitai explica o que ele entende como diferenças entre o cinema realidade e o fictício: "Documentários são mais delicados, porque o código de ética deles deve ser mais rígido que na ficção. Em documentários você está lidando com pessoas reais, não são atores."

A voz feminina

Em três de seus mais recentes filmes, Terra Prometida (2004) e Free Zone (2005), Aproximação (2007) - os dois últimos entraram na mostra do Festival do Rio - Gitai mantém sua atenção em protagonistas mulheres naquilo que se pode chamar de uma trilogia sobre a fragmentação da identidade sob o ponto de vista feminino. O diretor explica essa virada de perspectiva:

"Se você olhar de perto, vai ver, por exemplo, que na América Latina os homens destruíram todo um continente durante a colonização. No Oriente Médio, vimos que desde sempre quem governa ali são homens que conseguiram ao longo dos tempos produzir guerras sucessivas. Então acho que é bom, ao menos no cinema, olhar a situação a partir de mulheres. Algumas vezes eu converto histórias que originalmente eram vividas por homens para serem representadas por mulheres. Como aconteceu em Free Zone, por exemplo. As diferentes mulheres com quem tive oportunidade de trabalhar, como Jeanne Mouraeu, Juliette Binoche ou Natalie Portman, além das palestinas, são atrizes que conseguem articular esse espaço da mulher."

Mulheres ou homens, documentários ou ficções, o fato é que há uma preocupação que ata o trabalho de Gitai em uma só unidade: a sensação de constante deslocamento e, portanto, da perda de sua identidade territorial. "Na minha cabeça, isso é uma situação planetária, em que pessoas que costumavam viver em tribos locais, que por gerações e gerações trabalharam sempre no mesmo lugar e ali criaram sua própria arquitetura, não mais pertencem a um lugar em comum. É como se agora toda a humanidade estivesse deslocada. Isso é uma verdade que se aplica não apenas ao Oriente Médio, como ao Brasil. As pessoas não pertencem mais a culturas coesas, há uma fragmentação da memória."

Para Gitai, não apenas ele como vários outros cineastas do mundo têm nessa questão do deslocamento um eixo de pensamento, que é tudo menos recente: "Vejamos, por exemplo, o caso de diretores como o brasileiro Glauber Rocha. Quando ele trabalha com esse tipo de eclético e selvagem tecido humano, é com essa fragmentação que ele está lidando. Acho que, nesse sentido, Israel é um país moderno, porque é formado por judeus que vieram dos campos de concentração da Europa ou de países árabes da África e de palestinos que foram deslocados pelos israelenses. A população inteira está fora de lugar. E eles precisam achar um novo sentido de identidade, que não precisa ser apenas étnica, nacional ou religiosa."

Paz no horizonte?

Como israelense, atualmente vivendo próximo a Tel Aviv, Gitai lida constantemente com a questão do diálogo entre judeus e palestinos e, portanto, o tema da Paz é algo recorrente no menu dos assuntos mais questionados ao diretor e, claro, na sua obra. "A Paz não é feita por esses caras que vão a conferências sobre e têm discussões infindáveis. Paz pra mim é construída nos detalhes do cotidiano, é um cara israelense ao lado de um palestino, no meio da Jordânia. Essa é a situação de dia-a-dia que produz Paz, quando as pessoas trabalham juntas."

Se ele é otimista em relação a esse diálogo? "Acho que a situação no Oriente Médio representa uma perfeita co-produção de israelenses e palestinos que empacaram. E, mesmo não sendo religioso, me resta hoje apenas rezar. Não sei como vamos sair dessa. Mas não quero soar pessimista. Isso me lembra um dos meus primeiros documentários, em que entrevistei o prefeito de Nablus, uma cidade palestina. E ele me disse: "Amos, ser pessimista é um luxo. Não conseguimos pagar por esse luxo."

Diretor Amos Gitai em sua passagem pelo Festival do Rio
Diretor Amos Gitai em sua passagem pelo Festival do Rio
Foto: Carol Almeida / Terra
Fonte: Terra
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