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Novo filme de Sofia Coppola acerta no conto do herói comum

6 out 2010 - 20h07
(atualizado em 7/10/2010 às 00h08)
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Carol Almeida
Direto do Rio

Deixar de sentir exige esforço. É preciso abdicar dos valores mais fundamentais que cresceram com você para viver uma vida plenamente impessoal, inodora e amorfa, tal como um quarto de hotel, cujo quadro na parede emoldura o total vazio de significado. Johnny, protagonista de Um Lugar Qualquer (Somewhere, estreia no dia 28 de janeiro), novo filme de Sofia Coppola, é a expressão maior dessa falta de expressão.

A cena começa com ele, deitado em sua cama (de hotel), assistindo a duas moças loiras, possivelmente irmãs gêmeas, em uma pole dance sincronizada ao som de "There goes my hero, he's ordinary" ("Lá sei vai o meu herói, ele é um cara comum"), do Foo Fighters. E o "comum" a que Sofia se refere na criteriosa escolha de sua trilha sonora sublinha que o seu personagem maior é um homem que perdeu a graça de ser uma pessoa comum, para viver o tédio de representar um herói.

A diretora cujo olhar feminino já fez a cabeça de modernos com Virgens Suicidas (1999) e enfureceu conservadores com sua versão de Maria Antonieta (2006), está de volta com um personagem masculino e, para lidar com ele, retorna ao mesmo ambiente sem vida dos corredores de hotéis já tão explorados em Encontros e Desencontros (2003).

As comparações são necessárias: o Johnny de Stephen Dorff, assim como o Bob Harris de Bill Murray, vive aqui um ator famoso cansado da exigência em ter que interpretar sua própria vida, todos os dias. Mas o elemento particular desse novo personagem é que seu momento de virada, a vírgula que muda o curso de sua história, não está em um novo amor. Não há uma Scarlett Johansson à sua espera. Mas sim uma pré-adolescente igual a tantas outras que se apaixonam por vampiros vegetarianos e que, por um acaso, é sua filha.

A menina é interpretada por Elle Fanning, irmã mais nova de Dakota Fanning. Sem o peso de ser uma superstar como a primeira, ela dá uma leveza de bailarina ao filme de Sofia. E mais uma vez, a diretora parece buscar motivos plásticos e poéticos nos cabelos loiros de suas personagens, como se eles representassem um tipo de energia solar que não deve ser eclipsada.

Elle é, dessa forma, Cleo. Depois que sua mãe, por motivos não revelados, entrega a menina ao ex para passar uns dias, começa uma pequena jornada de dois personagens tão estranhos quanto familiares. Pai e filha se reencontram em suas distintas carências. Ela de afeto, ele de sentido. Juntos, eles vão se entender sem que para isso seja preciso qualquer tipo de discussão de relacionamento. No olho, eles se explicam.

Existe também neste filme, mais do que em outros títulos de Sofia, um refinado senso de humor com a própria indústria de cinema na qual a diretora (filha do cineasta Francis Ford Coppola) cresceu. A piada com a saga Crepúsculo, a pole dance burocrática, o sexo contratual, as coletivas de imprensa recheadas de perguntas estúpidas... Elementos irônicos não faltam, mas ainda que pontuais, não transformam o filme em uma paródia a Hollywood. Nesse segmento já há comédias eficientes como Os Queridinhos da América (2001).

A preocupação da diretora, no entanto, está longe de ser o entorno. Porque se o entorno é a moldura, o significado só existe nos personagens enquadrados. E Um Lugar Qualquer é um filme, sobretudo, carinhoso com esses indivíduos. Embora leves, ambos são muito consistentes nas suas verdades e, de certa forma, enigmáticos nas suas vontades. Quase como um drink frutado cujo mistério está em saber se ele levou, ou não, álcool.

Stephen Dorff e Elle Fanning em cena de 'Somewhere'
Stephen Dorff e Elle Fanning em cena de 'Somewhere'
Foto: Divulgação
Fonte: Terra
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