Existem três elementos que, juntos, fazem de 127 Horas o grande filme que é: James Franco, Danny Boyle e o fator "baseado em fatos reais". Tire qualquer um desses pilares da produção e tudo pode desmoronar, até porque a propensão ao erro é grande em uma história sobre o cara que, facilmente, poderia ganhar contornos de super-herói na câmera lenta da vitória final do homem diante de seus limites. Indicado ao Oscar em seis categorias este ano, incluindo Melhor Filme e Melhor Ator, 127 Horas é a adaptação do relato biográfico de Aron Ralston, o rapaz que ficou com seu braço preso em uma pedra e, depois de 5 dias sem conseguir sair daquele buraco, precisou se automutilar para sobreviver.
De volta à combinação dos elementos acima citados, é preciso esclarecer que, não fosse atuado por James Franco, o filme perderia um ator corporal, desses cuja melhor expressão emocional acontece quando a veia dilata. Não fosse baseado em uma história real, ele seria apenas uma fábula afetada e pop sobre um rapaz tão bonitinho quanto egoísta. E não fosse dirigido por Danny Boyle, o filme não seria essa fábula afetada e pop sobre um rapaz bonitinho e egoísta que, por existir na vida real, poderia facilmente se transformar em um totem piegas da superação, da força de vontade e da lição de autoajuda.
Com Boyle, Aron Ralston ganha a dignidade de alguém cuja crise existencial de vida ou morte não se vitima - mal comum em filmes também baseados em histórias reais como Na Natureza Selvagem, relato que, curiosamente, foi uma das inspirações de Aron em sua peregrinação solitária.
Do momento do aventureiro entusiasta até o ponto da decisão de cortar seu próprio braço, Franco presenteia seu personagem com um gradual amadurecimento humano que, evidentemente, vai em movimento inverso à sua evolução física. E todo esse processo acontece sem que nenhum evento específico de seu passado nos leve a acreditar em uma punição divina. Muito pelo contrário. Boyle consegue se manter fiel à ideia do original Aron Ralston ao fazer seu personagem entender que a lei da ação e reação se encerra nas escolhas que você toma, e não nas decisões ou atitudes alheias.
Portanto, as recordações familiares ou amorosas que, aqui e ali, pontuam os momentos de maior desespero do personagem, não acontecem para justificar ou passar a mão sobre a cabeça dele. Esses pequenos momentos de flashbacks ou simplesmente delírios, que incluem até as duas amigas que Aron conheceu no mesmo dia em que ficou preso, ajudam a criar um crescente no desconforto do personagem com seu fim iminente autoprovocado.
A angústia de Aron e, por tabela, do espectador, não se dilui na edição rápida e pouco dramática do filme. Ao contrário, ela parece nos dizer que não são precisos longos silêncios ou choros intermináveis para legitimar os sentimentos nervosos que partem dessa história. 127 Horas, medida do tempo em que Aron ficou preso à pedra que estava predestinada a ele, não é um documentário, é uma ficção. E como tal se dá ao direito de criar ilusões, closes exagerados e, por que não, tons atípicos ao que naturalmente se imaginaria como um drama enervante sobre a espera do fim. Pois bem, 127 Horas é também um pouco comédia - e James Franco mais uma vez mostra que tem domínio de cena quando precisa ironizar seu papel - e um pouco fantasia, à medida em que as alucinações ganham corpo concreto.
Exibindo "manadas" de multidões nos créditos de abertura e desfecho do filme, Boyle, que já levou Oscar por um de seus poucos filmes pobres de espírito e ideias (Quem Quer Ser Um Milionário?) volta a mostrar por que é um cineasta. Na paródia do rapaz sacrificado por sua solidão, ele cria uma história sobre escolhas. E elas nunca são fáceis.