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Cinema

 
 

"Vida Loca" leva polêmica à Mostra de Cinema de SP

15 de outubro de 2003 11h34 atualizado às 12h25

Cena do documentário  Motoboys - Vida Loca. Foto: Mostra SP/Divulgação

Cena do documentário Motoboys - Vida Loca
Foto: Mostra SP/Divulgação

Infernais para alguns, salvadores da pátria para outros. As múltiplas facetas dos motoboys e os sentimentos contraditórios dos paulistanos por eles foram captados em um documentário que terá sua estréia na terça-feira, 21, na Mostra BR de Cinema de São Paulo.

Motoboys - Vida Loca, do diretor Caíto Ortiz, faz um retrato honesto dessa classe profissional de praticamente 300 mil pessoas na cidade de São Paulo. Eles assombram os motoristas nas marginais, defendem uns aos outros de olhos fechados e entregam nossas pizzas e documentos na hora marcada.

Mas não serão as brigas de trânsito ou movimentos perigosos - captados por câmeras acopladas nas motos - que vão provocar tanta polêmica quanto os números absurdos de mortes, divulgados pela primeira vez: pelo menos dois motoboys morrem por dia no trânsito caótico de São Paulo.

Tais números são inéditos porque "oficialmente", embora sem nenhum estudo, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) estima que sejam dois motoboys mortos a cada três dias.

A diferença nas contas é simples: a CET não conta os que morrem depois de hospitalizados e sim apenas os mortos na hora do acidente ou durante o transporte do resgate até o hospital.

Os números do filme são resultado da pesquisa do jornalista Giuliano Cedroni, que também é responsável pelo roteiro. Ele cruzou os dados da Secretaria da Saúde do Estado e do Hospital das Clínicas com uma tese de doutorado da Universidade Paulista de Medicina, segundo a qual 60 por cento dos motoboys morrem depois que já estão hospitalizados.

Quase todos os acidentes acontecem nos chamados "corredores" das ruas e avenidas, entre as filas de carros. Boa parte dos motoristas não sabe, mas o artigo de lei que proibia o tráfego nesses espaços foi vetado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso em 1997.

"É o único país do mundo onde isso é legalizado", disse Cedroni em entrevista à Reuters. "Na prática, a lei permite, mas o Estado não tem condições de dar segurança para que o motoboy esteja lá."

CORREDOR PARA MOTOS?
Madá, Claudião, Ronaldão, Falcão Negro e Marcelo sentem os números na pele. Os cinco motoboys são os protagonistas do documentário, que fala muito mais sobre suas vidas do que explica tais estatísticas - estas aparecem apenas em legendas toscamente datilografadas, "como as letras dos (antiquados) computadores da CET", disse o diretor, em coletiva de imprensa.

Eles dividem os 52 minutos do média-metragem com personalidades e autoridades de diversas áreas, além de motoristas de carro, de táxi e de ônibus, todos comentando a relação de amor e ódio com esses office-boys sobre duas rodas.

"Quantos negócios não foram fechados por causa de um motoboy?", pergunta o publicitário Washington Olivetto numa passagem do filme. "E quantos casais não foram formados por causa das flores que eles entregaram?"

O arquiteto e urbanista Paulo Mendes da Rocha completa: "Eles são uma metáfora contra esse trânsito estúpido de São Paulo." E numa passagem final, pergunta: "Mas quem inventou essa coisa de que tem que ser pizza rápido e documento rápido?"

Segundo o filme, existe um projeto, atualmente engavetado, que prevê a criação de uma faixa exclusiva para os motoboys na cidade, entre as avenidas Luís Carlos Berrini, Consolação, Rebouças, 23 de Maio e as marginais.

O custo seria de 12 milhões de reais, um preço baixo comparado ao prejuízo de 200 milhões de reais por ano ao Estado de São Paulo somente em acidentes envolvendo motoboys.

O filme não chega abordar o motoboys pelo mundo, mas o pesquisador Cedroni garante que a cidade é maior centro de motoboys do mundo.

"Bangcoc deve ter a maior frota de motos do mundo, mas nem todas estão a serviço. Em São Paulo, as estimativas são de que 80 por cento são para trabalho", disse Cedroni, completando que a frota da cidade é de 456 mil motos, segundo a própria indústria automobilística.

O filme, que ainda está em fase de captação de recursos, foi realizado num período de quase dois anos, totalizando cerca de 150 horas de filmagens. Foi rodado inteiro com mini-DV e será projetado por enquanto apenas em salas com projetor digital.

Reuters
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