Jean-Luc Godard, um dos cineastas da lendária Nouvelle Vague francesa, apresentou em Cannes, nesta terça-feira, o filme Notre Musique, trabalho sério e otimista que foi filmado em Sarajevo e que não concorre na mostra competitiva.
Como em seus filmes, o diretor francês chegou ao limite do absurdo em seu encontro com a imprensa e não teve medo de fazer críticas contundentes à comissária européia de Cultura, Viviane Reding, e a seus projetos para o cinema europeu.
"Os jornalistas nunca copiam bem o que a gente diz", mas, aparentemente, o que "vamos fazer aqui é criar, tentar criar cineastas europeus, o que me parece um pouco chocante".
Esta idéia "me lembrou uma coisa que li, quando era muito pequeno para entender, sobre como criar super-homens (...) e não vejo como é possível criar um cineasta europeu".
"Recebi uma educação européia. Sou partidário das fronteiras, sou contra as alfândegas mas parece que o que a Europa está fazendo é exatamente o contrário", acrescentou.
Ele também teve algumas palavras para o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. Para Godard, Bush ou "é menos idiota do que achamos ou é completamente imbecil". Segundo Godard, o ativista "anti-Bush" Michael Moore, que "é em parte inteligente e não conhece a diferença entre uma imagem e um texto, ajuda Bush de forma invisível, indireta, mas perniciosa", com seus documentários, "motivo pelo qual não acredito muito nesses filmes", acrescentou.
O filme que Godard apresenta em Cannes, Notre Musique, se divide em três partes: o inferno, com sete minutos de imagens de guerras diversas em branco e preto e a cores com acompanhamento musical; o purgatório, filmado na cidade de Sarajevo, com uma hora de duração, e o paraíso.
Nesta terceira parte mostra-se uma mulher que, depois de se sacrificar no purgatório, encontra a paz em uma pequena praia guardada por marines americanos.
"Como o diretor artístico do festival, Thierry Fremont, me pediu", disse Godard com pena, aceitei que o filme "fosse legendado para o inglês do taxista paquistanês que vive em Nova York".
"Estamos na Europa, onde existem muitas línguas e onde, curiosamente, os europeus aceitam estas coisas. Inclusive me pediram para fazer isso e acabei cedendo", explicou o diretor.
A versão legendada "permite que os espectadores acreditem que estão em sua língua, em sua pátria. Este filme é muito incômodo porque não mostra isso. Eles podem ler, mas não viram tudo isso".
Da mistura de realidade e ficção com que trabalha, disse que tenta "não fazer diferença entre os atores e os personagens dos documentários", para que eles fiquem em pé de igualdade.
Ele assegurou que foi Sarajevo que escolheu ele "e não ao contrário" e que o purgatório começou ali depois da guerra, quando os cinemas voltaram a abrir e "as avós puderam ir novamente ao mercado".
] "O inferno vem antes ou depois, segundo a existência dos pais e a sociedade em que se tenha nascido", disse. Convidado para ir ao Centro André Malraux de Sarajevo, disse que participou do Encontro Europeu de Cinema, onde a idéia do filme começou a surgir em sua cabeça.
"Por isso, como dizia Tolstoi: eu não escolhi escrever Anna Karenina, ela que me escolheu, e Sarajevo nos escolheu".
"Não sei se eu partiria se Sara (um de seus personagens) viesse a meu apartamento e me dissesse que Deus lhe contou que há 2 mil anos seus ancestrais viviam lá e que eu tenho que sair por causa disso. Eu tenho outro país, que é fazer cinema, mas se não tivesse outro...".
"Minha terra é o negativo, o branco e o preto, que começa a desaparecer com o cinema digital". É "uma metáfora que é mais do que uma metáfora. Com o digital, o negativo desaparece, existe apenas o positivo, fica só o eixo do bem, não o do mal", disse. Hoje, o Festival presta a Godard uma homenagem surpresa.
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