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Cinema

 
 

'The Runaways': a força e beleza da verdade

18 de março de 2010 15h01

Cena do longa 'The Runaways'. Foto: Divulgação

Cena do longa 'The Runaways'
Foto: Divulgação

Mick LaSalle

A força e beleza de The Runaways é que o filme conta a verdade; a narrativa nem sempre revela a verdade literal sobre The Runaways, a banda pioneira do rock feminino, ainda que mostre corretamente os fatos básicos e a maior parte dos detalhes. O mais crucial é o filme consegue transmitir com precisão a sensação de ser jovem na metade dos anos 70, uma conjuntura especial na história social dos Estados Unidos. Na época, existia quase que um sentimento de pós-apocalipse no ar, a sensação de que todas as normas tinham sido ejetadas, que nada importava, que o país inteiro, e o mundo inteiro, haviam escapado ao controle.

Outros filmes já haviam tentado transmitir esse sentimento. The Ice Storm, de Ang Lee, conseguiu fazê-lo, em certa medida, mas não de todo. O problema desse filme é que, em certo sentido, ele era bom demais, artístico demais. The Runaways, em contraste, é exatamente o tipo de filme tosco, sujo e ocasionalmente canhestro que os anos 70 parecem merecer. E, ao capturar com exatidão um dos fatores -a estranha combinação de desespero e energia frustrada que predominava então-, o filme consegue transmitir o quadro completo. Explica o motivo para que a garotada precisasse do rock, e para que as Runaways tenham significado tão importante para aqueles que ainda as recordam.

Baseado em Neon Angel, o livro de memórias de Cherie Currie, The Runaways conta a história da criação da banda, concentrando suas atenções especialmente em Joan Jett, que se tornou a guitarrista base e principal compositora do grupo, e em Currie, descoberta por Jett e pelo produtor da banda, Kim Fowley, em uma casa noturna de Los Angeles, quando ela tinha apenas 15 anos. Os dois gostaram da aparência de Currie ("uma mistura de Bowie com Bardot") e não faziam nem ideia de sua capacidade como cantora -por sorte, ela tinha talento.

Ser adolescente pode trazer sensação parecida à de estar atolado na lama. O mundo está vivo, repleto de promessas e excitação, mas não há como chegar a ele. O adolescente não tem poder. Mas a música lhe propicia uma sensação, ou uma ilusão, de poder, e ocasionalmente isso é suficiente para manter a sanidade. Currie (Dakota Fanning) e Jett (Kristen Stewart) começam como garotas de segundo grau, desajustadas na escola e obcecadas por rock; a família de Currie está se desfazendo, e ela é obcecada por David Bowie; já a obsessão de Jett são as roupas de couro, e seu sonho de se tornar roqueira -e de um modo que até então nunca havia existido para as mulheres. The Runaways demonstra de que modo o rock tanto pode salvar sua vida quanto quase destrui-la.

A trilha sonora inclui artistas que influenciaram as Runaways (a exemplo de Suzy Quatro), gravações originais da banda e recriações ao vivo da música do grupo, com Fanning nos vocais principais. O som é excelente, se bem seja necessário acrescentar que Currie cantava duas vezes melhor que a atriz que a representa. O que Fanning faz muito bem é sugerir o sofrimento e confusão que existem sob o ar de imperturbabilidade adolescente, e a perda gradual de controle que a protagonista sofre diante de todas as pressões e de todas as drogas. Ela se torna o principal objeto dos ataques de Fowley, interpretado com talento por Michael Shannon e retratado como presença quase demoníaca ¿metade sádico imbecil e metade visionário do rock.

Kristen Stewart, conhecida principalmente por seus murmúrios e sustos nos filmes da série Crepúsculo, é a grande revelação, aqui. Ela estudou Jett meticulosamente -sua postura, seu jeito, suas expressões, até mesmo a maneira pela qual seus olhos revelam seus pensamentos. E reproduz com perfeição o estilo de Jett no palco, a forma pela qual a menina aparentemente tímida assume completa autoridade ao ligar a guitarra. O visual ajuda -a direção de arte e o figurino são perfeitos.

O coração de The Runaways está em Fanning e Stewart, e no retrato que oferecem sobre a improvável amizade entre duas adolescentes muito diferentes -uma amizade que, por alguns momentos, parece muito, muito próxima. Mas o filme também oferece uma histórica cautelar típica do mundo do entretenimento, sobre uma menina que não parecia desejar tanto assim o sucesso e uma segunda que reconheceu a chance que lhe estava sendo oferecida e se agarrou a ela como que a um bote salva-vidas.

Alguns observadores talvez se queixem, com certa razão, que The Runaways em última análise conta uma história deprimente, que perde o rumo e termina em tom melancólico. O rumo que a narrativa toma parece realmente incômodo, como se algo de diferente -algo de grandioso- devesse estar acontecendo. Mas não: a verdade é que a diretora Floria Sigismondi sabia exatamente o que estava fazendo: o filme não seria uma representação precisa dos anos 70 caso não acabasse deixando as audiências com uma ressaca de cocaína.

The New York Times
The New York Times