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Cinema

 
 

Araras de 'Rio' reproduzem felicidade carioca nas telonas

22 de março de 2011 10h07 atualizado às 10h08

'Rio' traz personagens divertidos que reproduzem a alegria do povo carioca. Foto: Divulgação

'Rio' traz personagens divertidos que reproduzem a alegria do povo carioca
Foto: Divulgação

São vários os personagens carismáticos em Rio, nova animação de Carlos Saldanha que estreia no Brasil no próximo dia 8 (nos EUA estreará no dia 15). Mas um em particular parece ganhar uma atenção extra do diretor, diria-se até um carinho de mãe. Fala-se do papel que dá título ao filme: a cidade do Rio de Janeiro. Presente não apenas nos vários cenários explorados - algo que corta em detalhamento bairros e becos da cidade - o Rio funciona como guia (quase turístico) e lugar que toma para si a energia da mudança que irá acontecer entre os personagens de fato. É no Rio que se pode dançar, sorrir, levar-se menos a sério. E sobretudo, segundo o filme, é no Rio que se pode voar. Numa rara sintonia com uma vertiginosa alta cotação da cidade e do País - a lembrar que este filme começou a ser produzido antes de o Rio vencer a candidatura para as Olimpíadas de 2016 -, a mais recente produção dos estúdios Blue Sky/Fox é muito feliz em parodiar esse estado de espírito da felicidade carioca, na história de uma arara azul que, somente descobrindo a cidade, voltará a se descobrir pássaro.

A sequência de abertura do filme, que já havia sido divulgada pela internet, dá o tom do recado. Em uma coreografia que parece ter sido tirada dos grandes musicais hollywoodianos dos anos 1930 (época em que Brasil era sinônimo para Carmen Miranda), o filme se descortina como esse grande espetáculo de cores fortes e quentes, num samba de aves tropicais que louvam não apenas terem nascidos pássaros, como terem nascidos pássaros numa cidade que é estonteante de se ver do alto. O modelo musical, sempre divertido e cada vez menos usado em animações, ajuda a criar essa crescente empatia entre personagens e cenário. Mesmo porque, na terra do samba e da bossa nova, não é difícil contar boas histórias ao som de melodias. E a boa história aqui parte de uma inteligente, esperta e bem-humorada construção do personagem que, ao lado do Rio, é central na trama: Blu, uma arara azul macho, desajeitado, cheio de manias e um tanto paranoico. Na dublagem original, ele ganha a voz nervosa e acelerada de Jesse Eisenberg, o que o deixa ainda mais divertidamente neurótico.

A premissa é semelhante àquela do leão Alex, da bem-sucedida série Madagascar: filhote é raptado de seu ambiente natural, adquire hábitos humanos e, graças a uma série de eventos extraordinários, vem a redescobrir as maiores virtudes animais que há dentro dele. Portanto, a força motriz por trás do personagem é aquela mesma presente em 10 entre cada 10 animações hollywoodianas: a necessidade de pertencimento. Ao contrário de Alex, que sai da África e vai parar no zoológico de Nova York, Blu é raptado no Brasil e termina sendo encontrado por uma menina em Minessota, Estados Unidos, um lugar frio e cheio de neve cuja melhor descrição é dada pelo próprio filme: Não é o Rio (quase como um "não é a mamãe").

Sem saber voar e com ninguém para ensiná-lo, Blu cresce com Linda, e esta se torna uma moça comportada que termina domesticando seu pássaro com todos os hábitos humanos. Tudo vai bem, no conforto do aquecedor de ar e do leite quente com marshmallow até que surge em cena um ornitólogo brasileiro (dublado por Rodrigo Santoro tanto na versão em inglês quanto em português) com a alarmante notícia de que Blu é o último macho de sua espécie e que a última fêmea está no Rio de Janeiro. Leia-se: eles precisam preservar a espécie e o pouco jeitoso Blu tem que embarcar para o lugar onde, não sabe ele, nasceu.

Acontece que, para o bem da narrativa e alegria geral das agências de viagem, Linda e Blu chegam ao Rio justamente na época do Carnaval. Nesse ambiente de confetes e serpentinas, Blu conhece Pedro e Nico, duas simpáticas e pequenas aves que pontuam o filme com tiradas que promovem a divulgada receptividade brasileira diante dos "gringos". Nico, aliás, é uma versão moderna e mais magra do Zé Carioca, personagem cuja essência parece ecoar em várias cenas, numa história que faz tributo não apenas ao já citados musicais e Walt Disney, como a marcos do próprio cinema nacional (preste atenção e você verá, em uma cena de favela, uma inegável referência a clássica cena da galinha em Cidade de Deus, de Fernando Meirelles). Levado ao encontro de Jade, dublada na versão americana por Anne Hathaway, Blu conhece sua pretendente em uma nunca antes vista tentativa de acasalamento tão bem intencionada quanto uma música de Lionel Ritchie - e tão atrapalhada quanto às pessoas que ainda usam Lionel Ritchie como cantada.

A relação que se cria entre Blu e Jade é fofa na medida em que são fofos os primeiros amores e, de certa forma, refletem algo que abraça o filme, essa sensação de que o primeiro olhar é sempre o de deslumbramento. E o filme é virtuoso em nos revelar essa sensação de que estamos visitando não apenas esses personagens, como a cidade do Rio, pela primeira vez. A pontuar que, ainda se falando no trabalho de imagem do filme, o 3D, antes de atrapalhar, funciona bem no balé de aves que passeiam para fora da tela.

Pontuando aqui e ali temas importantes como contrabando de aves, extinção de espécies e uma criminalidade que, de certa forma, reverbera de leve essa mirada estrangeira necessária para que o produto se venda lá fora, Rio termina com um saldo extrapositivo da capital fluminense e faz pela cidade o que, para citar outra animação, Ratatouille fez por Paris.

Eis então que o homem da Era do Gelo embarca sua história para o calor do Rio de Janeiro, sem passagem de volta. O brasileiro Carlos Saldanha, que ficou conhecido depois de ter co-dirigido o primeiro Era do Gelo e assumido por completo as duas sequências da franquia, volta, assim como Blu, ao país de onde veio. Numa tentativa também de se reencontrar, desta vez como autor maior daquilo que promete ser mais uma saga com margens para vários desdobramentos - a citar, por exemplo, uma inexplorada relação entre Blu e seus pais, figuras que não aparecem em qualquer momento do filme. Daqui para frente, é de se esperar ouvir falar bastante desses personagens e, certamente, do Rio de Janeiro, uma cidade cuja paisagem é nada menos que cinematográfica.

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