Ao receber a Palma de Ouro, o diretor afirmou que durante anos quis apresentar um filme no Festival de Cannes e terminou seu agradecimento com um "Viva a França!". Logo depois, disse aos jornalistas que seu filme não é antiamericano: "Eu não critico os Estados Unidos. O que mostro é o meu ponto de vista, de minha própria vida nos Estados Unidos", afirmou, acrescentando que a crítica de seu filme é "à pressão para que tudo se adapte a um modelo, o esquecimento da diversidade, essa diversidade que é incentivada pelo Festival de Cannes. Elephant não é um filme antiamericano, e sim uma reflexão sobre a violência nas escolas".
O favorito até a manhã deste domingo era o filme Dogville, do diretor Lars von Trier. A aposta se baseava na lista feita pelos críticos presentes no festival, que colocava o filme brasileiro Carandiru em último lugar nas previsões para algum prêmio. O público aplaudiu o trabalho de Hector Babenco, mas a crítica e juri do festival discordaram dessa impressão inicial.
O filme vencedor, Elephant, volta ao tema da matança em um colégio americano cometida por alunos da própria escola, um caso que traumatizou os Estados Unidos e que foi abordado pelo documentário Tiros em Columbine, premiado ano passado em Cannes. A busca da compreensão dos jovens é uma constante na obra de Gus Van Sant. Desta vez, o diretor reconhece a dificuldade de entender tal explosão de violência.
O nome do filme faz referência a uma parábola budista na qual vários cegos tocam um elefante, e cada um o descreve de acordo com a parte que tocou, a pata, a cauda, a orelha ou a tromba, mas nenhum é capaz de imaginar o animal em sua totalidade. O filme descreve um dia como qualquer outro num colégio secundário dos Estados Unidos.
A parábola do elefante
Alguns estudantes praticam esportes, outros se dirigem a suas salas, outros assistem uma aula de física, alguns comem e conversam no restaurante escolar. A tragédia está a ponto de acontecer, mas nada permite prevê-la. Van Sant faz uma apresentação superficial dos personagens. Nada sabemos sobre eles. O diretor cita brevemente a ausência e a irresponsabilidade dos pais (um dos jovens precisa dirigir o carro porque seu pai, que o leva ao colégio, está bêbado), a violência dos video games, a facilidade para comprar uma arma e a falta de comunicação.
Porém, esses males da sociedade envolvem a todos e não explicam o que leva um adolescente a passar um dia tocando sonatas de Beethoven no piano e depois massacrar com armas de guerra seus colegas de colégio. A comparação com Tiros em Columbine é inevitável, apesar do filme de Michael Moore ser um documentário e o de Van Sant uma ficção.
Moore analisava, com seu humor cáustico, a sociedade americana e a comparava com outras para buscar explicações sociais à violência irracional e à loucura assassina. Van Sant não se aprofunda no tema social, mas também não tenta descobrir as razões psicológicas que podem levar um adolescente aparentemente igual aos demais a se tornar um assassino. Finalmente, sua parábola do elefante causa medo. Somos, como os cegos, incapazes de compreender? E, se a compreensão é impossível, como enfrentar o problema?
Fotógrafo, pintor e músico, Van Sant já dirigiu filmes como Drugstore Cowboy, Garotos de Programa e Um Sonho Sem Limites. Em 1997 foi indicado ao Oscar de melhor diretor por Gênio Indomável.
Elephant também estava bem cotado na lista da crítica. Segundo a crítica francesa e internacional, este ano o festival sofreu os efeitos da situação política mundial e de uma seleção deficiente dos filmes que deveriam competir na seleção oficial.
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