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Maravilhas tecnológicas fazem de 'Avatar' um filme inovador

13 dez 2009 - 08h58
(atualizado em 11/7/2018 às 11h31)
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O diretor James Cameron apareceu, como se pela magia digital, perante o público de uma pré-estreia em Los Angeles de seu mais recente provável sucesso. Mas não está claro qual foi o convite do diretor nesse início de dezembro. Para o pequeno filme de US$ 230 milhões que acabou de concluir? Para o "mundo" criado pelas avançadas técnicas digitais de sua produção? Para a "vergonhosa máquina comercial" que declarou, não necessariamente brincando, ter construído? Seja qual fosse o Avatar que Cameron tinha em mente, a felicidade, e o lucro, de muita gente depende dele. E o início não veio sem contratempos.

'Avatar' tem seres computadorizados com movimentos e expressões impressionantes
'Avatar' tem seres computadorizados com movimentos e expressões impressionantes
Foto: Divulgação

A luz do cinema diminuiu. O logo da 20th Century Fox apareceu. As trombetas soaram. Mas antes que o primeiro quadro dessa fábula espacial futurística, uma ficção científica eco-pacifista, pudesse provocar alguma reação, as luzes se acenderam.

"Isso foi mais curto do que vocês esperavam", falou Cameron, provocando risadas educadas. "Há um problema na sala de projeção." Temendo pela vida do operador de projeção, a plateia viu Cameron, hoje em dia com cabelos brancos e uma pancinha, desaparecer com sua camisa azul. A escuridão caiu, e Avatar ressurgiu. A partir daí, o público pôde ver o resultado de doze anos de trabalho e de efeitos visuais de última geração.

No dia seguinte, Cameron fazia mistério durante a entrevista no Four Seasons de Beverly Hills. "Ninguém sabe", disse, quando perguntado sobre o que deu errado na exibição. "Desliguei o computador e liguei de volta. Ele se conserta, não sabemos por quê. Sempre odeio essa resposta. Sempre quero saber por quê."

Parecendo uma criança que desmonta o relógio do pai para ver por que ele gira, Cameron há muito tempo tem sido um diretor associado à tecnologia, tanto quanto à dramaturgia. Suas criações são inesquecíveis: o vilão de mercúrio de Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final; a fantasmagoria marinha de O Segredo do Abismo; a viagem emocionante de Titanic; filmes que por vezes parecem se tratar tanto do que um diretor pode fazer, quanto do que deve fazer.

É o caso de Avatar. Muitos na indústria do cinema ¿ Cameron entre eles ¿ esperam que os processos que ele usa no filme, especialmente a técnica conhecida como "performance capture", revolucionem o cinema, e que o Fusion Camera System projetado por Cameron (uma única câmera que filma ação em 3D estereoscópico) redefina o cinema tridimensional. Em grande parte, o tamanho do impacto de Avatar sobre o setor vai depender em última instância do desempenho do filme, estética e financeiramente.

Cameron realmente gosta de seus brinquedos. Em abril, nas instalações da Lightstorm Entertainment, em Playa del Rey (onde ficava a antiga Hughes Aircraft), o maquinário físico de Avatar mantinha-se adormecido. A AMP ("plataforma de mobilidade blindada"), que o ator Stephen Lang opera em uma cena culminante de batalha, estava encostada como um robô cinzento chateado, com articulações dos dedos do tamanho de carburadores. Carapaças de helicóptero e armas de 2,5m se espalhavam onde Howard Hughes construiu seu malfadado Spruce Goose (ganso elegante), num grande e nefasto silêncio.

Mas atravessando o estacionamento, em um espaço indescritível que Cameron chama de volume de captura de ação (ou, como Lang disse, o "Nerd Central"), a equipe de técnicos-animadores da Lightstorm digitava em laptops, levando vida virtual ao mundo de Avatar. Parte dela ainda se parecia com um videogame dos anos 1990, mas a imagem melhorava enquanto atravessava um universo de muitos criadores: Digital Domain (cofundada por Cameron), Legacy Fx, Industrial Light & Magic (de George Lucas) e a Weta, do diretor neo-zelandês Peter Jackson, que, segundo Cameron, detém os direitos de algumas das ferramentas desenvolvidas em Avatar. No entanto, a divindade reinante é Cameron. Ele espera que, diferente do notório veículo no qual Hughes voou apenas uma vez, seu ganso ponha ovos de ouro.

Ao mesmo tempo, porém, ele está "esperando que o papo tecnológico meio que termine" depois de Avatar estrear na sexta-feira (18). "Foi divertido acompanhar cinco meses de pessoas falando sobre o filme", disse este mês, "quando sei que elas estão só mordiscando a beirada do biscoito. Elas não entenderam ainda. No momento em que virem o filme, dirão, 'Nossa, tem um monte de outras coisas das quais precisamos falar aqui'".

Coisas como imperialismo. Deusas. O estupro da natureza. O ano é 2154, e Jake Sully (Sam Worthington), um fuzileiro naval com pernas incapacitadas lutando numa guerra que não compreende, recebe o convite para substituir seu gêmeo morto em um programa em operação a anos-luz de distância, em uma lua chamada Pandora.

Com uma atmosfera tóxica a humanos, Pandora é habitada por uma tribo conhecida como Na¿vi, ágeis aborígenes azuis de 3,3m que consideram a lua sagrada. O que os terráqueos querem em Pandora é o mineral Unobtainium, que é a solução para os problemas energéticos de uma Terra arrasada. O que os Na¿vi querem é que os terráqueos partam. Num esforço para agradar ¿ e talvez impedir que o coronel Miles Quaritch (Lang) e seus companheiros mercenários promovam o massacre dos Na¿vi enquanto tomam suas terras ¿, cientistas ligados à campanha de mineração criam avatares semelhantes aos Na'vi, que são geneticamente combinados a seus "condutores" humanos. Como o DNA de Jake é igual ao do seu irmão, ele é o substituto perfeito. Como habitar um avatar significa que ele poderá andar novamente, Jake concorda em ir.

"Jake é digno de honra", disse Cameron. "Eles lhe dizem que pagam bem, mas ele não aceita por causa do dinheiro. Ele vai porque está buscando algo". Cameron disse que ao escrever o roteiro, que apesar de sua atualidade foi iniciado antes das filmagens de Titanic, ele ficou preso ao modelo errado.

"Fiquei empacado nesse modelo veterano pós-Vietnã, raivoso, amargo, e não estava funcionando", disse ele. "Não é o que um fuzileiro naval faria. Meu irmão é um fuzileiro, e os amigos dele são meus amigos, e é assim que eles pensam. Na cabeça deles, quanto mais difíceis as coisas ficam, melhor elas definem você. Isso é algo que eu entendo. É por isso que faço o tipo de filmes que faço. Não estou carregando uma mochila de 45kg sob um calor de 50º C durante 10 horas, mas é o mesmo tipo de coisa. Sei que faço algo que outras pessoas não podem fazer".

O que Cameron e seus associados têm tentado fazer é acabar com a barreira entre emoção humana e animação. "Em última análise, filmes se tratam de um close", disse Jon Landau, produtor de Avatar e parceiro de longa data de Cameron. "Não se trata de uma tomada ampla". A equipe observou o que cineastas já haviam feito, como a captura de movimento, que envolve sensores usados pelos atores para traduzir seu movimento corporal ao personagem digital (O Expresso Polar talvez seja o exemplo mais conhecido). O que a técnica não faz é capturar a expressão facial, ou o sentimento. "A captura de movimento, para nós, sempre teve uma grande carência", disse Landau. "A captura de emoção". Eles recorreram então a um processo de imagens, emprestado do setor de shows.

"Se a Madonna consegue ficar pulando com um microfone no rosto e fazer uma grande apresentação", disse Landau, "pensamos, 'Vamos substituir aquele microfone por uma câmera'. Essa câmera de vídeo fica com o ator enquanto capturamos a atuação, e apesar de não usarmos a imagem em si, nós a enviamos para a empresa de efeitos visuais, que a renderiza quadro por quadro, quase num nível poro por poro."

Se tivessem usado a imagem em si, explicou ele, os personagem correspondentes teriam características faciais de proporção humana. Os animadores ganham mais liberdade, e os Na¿vi um visual mais original (olhos maiores, por exemplo), sem perda de expressividade.

Chegar ao ponto em que tudo isso pôde ser realizado exigiu confiança por parte da Fox, a quem Cameron e Landau pediram para bancar o projeto durante os quatro anos e meio que testaram a tecnologia e criaram o mundo. "Quando você está lidando com um cineasta como o Jim", disse Jim Gianopulos, um dos presidentes da Fox, "e você sabe de suas ambições, e como ele as realiza consistentemente, bem, você embarca na viagem".

Gianopulos disse que ficou satisfeito com o conteúdo emocional dos personagens gerados por computador, assim como a resposta que o estúdio estava obtendo do público feminino, principalmente com relação à personagem de Zoe Saldana, Neytiri.

Cameron está menos entusiasmado com a reação em relação a sexo. "Talvez não tenhamos meninas de 14 anos querendo ver o filme quatro vezes como em Titanic", disse, "mas com certeza é um filme para mulheres".

É também um filme sobre paz, de alguém que admite impulsos paramilitares. "Tenho reverência absoluta a homens com um senso de dever, coragem", disse. "Mas também sou um filho dos anos 1960. Há uma parte de mim que quer pôr uma margarida em cada cano de arma. Acredito na paz através de superioridade militar, mas por outro lado abomino o abuso de poder e o imperialismo repulsivo disfarçado de patriotismo. Algumas dessas coisas você não pode mencionar sem ser chamado de alguém sem amor à pátria, mas eu acho muito patriótico questionar um sistema que precisa ser contido, ou vai se tornar Roma".

Não que Avatar seja uma lição de moral. É barulhento demais para isso. "Ele gosta mesmo de barulhos altos", disse Lang. "Ele é o menino dentro de nós, é a parte divertida de fazer filmes". Ele se lembrou de sua última tomada em Playa del Rey. "Em nenhum dia Jim aparecia sem um brilho", disse Lang. "Mas nesse dia específico ele tinha um tipo de cintilação em seus olhos. E a primeira coisa que saiu de sua boca foi, 'Então, Slang, tudo bem se nós te incinerarmos hoje?'. 'Claro¿, disse retoricamente, 'o que você quiser', e foi isso que fizemos. Ele prosseguiu botando fogo em mim."

O que Cameron quer agora é que o mundo vibre tanto com as bolas de fogo quanto com as outras maravilhas visuais que ele confeccionou, e com a história a que elas servem. E, depois da exibição do início de dezembro, ele parecia ter superado as dúvidas que teve em abril sobre se quer "fazer isso de novo". Ele parecia confiante de que o filme funcionava nos âmbitos emocionais, técnicos e artísticos. "Interessante", acrescentou, "isso é sinal de uma continuação".

E se não houver sequência? "Isso significa que não ganhamos dinheiro."

The New York Times
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