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Mostra de SP: 'O Gebo e a Sombra' contrapõe honestidade e cobiça

26 out 2012 - 11h06
(atualizado em 30/10/2012 às 15h27)
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No cinema de Manoel de Oliveira há algo de intemporal que, paradoxalmente, se liga bastante, quando bem pensado, ao tempo presente. Essa característica dúbia fica bem evidente em O Gebo e a Sombra, seu filme mais recente, apresentado em setembro no Festival de Veneza e agora trazido à Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

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O velho mestre, de 104 anos, não foi a Veneza nem agora vem a São Paulo, como fez tantas vezes. Teve uns problemas de saúde e os médicos lhe proibiram o avião. Mas, segundo seus conhecidos, já está aprontando novo filme, para manter a média de um por ano. E este próximo trabalho pode ser baseado em "A Igreja do Diabo", conto de Machado de Assis, como disse à reportagem o ator português Luiz Miguel Cintra, na Itália: "Ele está muito bem, cheio de energia e trabalhando no roteiro de A Igreja do Diabo". Esperemos. Sem dúvida, a ambivalência de Machado, em especial neste conto em que o bem aparece apenas contra o pano de fundo do mal, e vice-versa, será inspirador para o cineasta.

De certa forma é também o que ocorre com O Gebo e a Sombra, baseado numa peça dos anos 1920 do dramaturgo português Raúl Brandão. A propósito, a peça tem quatro atos, dos quais Manoel conservou apenas três. O quarto, pareceu ao cineasta, contraditava os outros três.

Na história, Gebo, contador e cobrador de uma firma, é interpretado pelo grande ator francês Michael Lonsdale. Sua mulher, Doroteia, é vivida por Claudia Cardinale. O filho, João, por Ricardo Trêpa, neto do diretor. A mulher de João, Sofia, por Leonor Silveira. Jeanne Moreau faz uma vizinha intrometida, Candidinha. Leonor, Cintra e Trêpa fazem parte da trupe habitual de Oliveira. O restante do elenco dá ideia do prestígio internacional a que chegou o cineasta português.

A locação é única, a sala de uma casa modesta, onde Gebo, em seu livro de anotações, faz e refaz cálculos, noite adentro, não sabemos exatamente com que propósito. Bebe café para se manter acordado e diz que trabalha tanto, apesar da idade, para que a família não morra de fome. Do filho, apenas se fala, no início. A mãe espera por sua volta. Não sabemos ao certo onde está, se partiu ao estrangeiro, se esteve na prisão, o que fez. Algo de bom não foi, a julgar pelo que dele dizem, entre sussurros, Gebo e sua nora, a quem trata de filha.

O ambiente é soturno. A fotografia, magnífica, é construída em meios-tons, como iluminada apenas pelos candeeiros que se veem em cena. É propícia para um ambiente no qual tudo é dito a meias, nunca diretamente, porque se trata de preservar, acima de tudo, a figura da mãe, que pede notícias do filho. Este, quem será? Um herói, um ladrão? Mas os filhos não são sempre heróis aos olhos das mães?

Gebo é, então, um mantenedor do mito materno. Dedica a vida a isso. Uma vida miserável, a bem dizer, feita de privações materiais e morais porque tem sempre de se consagrar a esconder alguma coisa de alguém.

A certa altura da trama, o espectador fica bem curioso para saber, afinal, quem é este João, de quem se fala e não se vê. Verdade, ele pode ser um criminoso. Pode ser também um ser da liberdade. Num espaço cênico que em tudo se assemelha a uma prisão, o filho parece o único com possibilidade de ser livre. Não à toa, os planos iniciais do filme mostram a imagem de um porto e um navio que parte. Há essa simbologia associada à embarcação, à viagem, ao deixar para trás tudo aquilo que significa grilhão para o homem.

Ver novas terras, conhecer novas pessoas. Não acaso, o narrador de Moby Dick, Ismael, diz que quando o pensamento da morte vem lhe assaltar, embarca depressa no primeiro navio que encontre. É uma imagem bastante presente na literatura e também no inconsciente coletivo humano.

Se O Gebo e a Sombra, como disse Manoel, é um drama sobre a honestidade, é também uma tragédia sobre a cobiça. Sempre existe essa dubiedade nos assuntos humanos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

O Gebo e a Sombra

Cinesesc - Quarta, 21h30;

Cinemateca - 2ª, 17 h;

Cine Livraria Cultura - 3ª, 22h40;

Espaço Itaú de Cinema Frei Caneca - Dia 31, 19h.

 O filme foi apresentado em setembro no Festival de Veneza
O filme foi apresentado em setembro no Festival de Veneza
Foto: Divulgação
Fonte: Agência Estado Agência Estado
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