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"Não sabia como fazer", diz diretora sobre lidar com crianças em 'Os Amigos'

15 ago 2013 - 22h26
(atualizado às 22h26)
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Lina Chamie
Lina Chamie
Foto: Itamar Aguiar/PressPhoto / Divulgação

Apesar de focado no protagonista Théo, brilhantemente interpretado por Marco Ricca, Os Amigos possui como uma de suas características centrais o vasto elenco infantil, que, além de embasar a história de infância do personagem principal, proporciona o clima de jornada de uma vida ao encenar em meio ao filme diálogos do livro Ulisses, de James Joyce. E, para lidar com essa novidade em sua curta, porém respeitada, carreira cinematográfica, a diretora Lina Chamie precisou de uma forcinha de um preparador de elencos infantis. O longa teve sua primeira exibição na noite de quarta-feira (14) no Festival de Cinema de Gramado, como parte da competição de Melhor Longa Brasileiro da 41ª edição do evento.

"Eu precisava de um preparador para isso, mas esses profissionais costumam ser muito bravos, pessoas duras. Aí lembrei de um aluno que tive na Ufscar (Universidade Federal de Santa Catarina), o Diogo Matos, que os preparou corpo a corpo e me deu a oportunidade de acabar ficando amiga das crianças", contou no debate sobre o filme Chamie, exaltada pelos colegas de produção como a mais talentosa diretora de cinema do País. "Foi um negócio que a gente cuidou, porque eu não sabia como fazer. E o Diogo ajudou muito nisso."

Tocante, sensível, o longa tem realmente a presença das crianças como fundamental. O filme acompanha um dia na vida de Théo, arquiteto de meia idade que resgata as memórias da infância ao ficar sabendo que seu melhor amigo morre. Enquanto realiza suas atividades cotidianas, o protagonista recorda momentos específicos de seu tempo com o antigo vizinho, lembranças exibidas na tela por meio de flashbacks, idealizados por atores infantis. Livremente inspirada no poema Fábula de um Arquiteto, de João Cabral de Melo Neto, a produção emociona ao mostrar um sujeito perdido em sua realidade, repleto de temores em relação àquilo que perdeu ao longo da vida, um personagem que, com o passar dos anos, foi se fechando para o mundo.

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Marco Ricca está em 'Os Amigos'
Foto: Itamar Aguiar/PressPhoto / Divulgação

"Quando a gente envelhece, vai ficando chato, porque os medos vão se cristalizando. O filme é sobre esse cara que perdeu um pouco do frescor e a morte do amigo o vai lembrando das histórias puras da infância, quando as portas ainda estavam abertas. As crianças no filme simbolizam isso e para mim essa abordagem da condição humana era de muita importância", explicou a diretora, acompanhada na mesa de debate, além de Ricca, pela montadora Karen Harley, pela produtora-executiva Sara Silveira e pelos estreantes em cinema Rodrigo Lombardi, famoso por seus papéis em telenovelas, e Teka Romualdo, cuja bagagem é essencialmente teatral. Dira Paes vive a melhor amiga de Théo, enquanto Alice Braga e Caio Blat fazem uma pequena e bem-humorada participação.

Não é a primeira vez que Ricca trabalha com Chamie. Em 2007, a cineasta já o havia dirigido em outro drama, A Via Láctea, no qual, após uma violenta briga com a namorada (Alice Braga), o protagonista, Heitor, passa a analisar as possibilidades do amor, enquanto guia pelas ruas de São Paulo. A cidade volta a ser pano de fundo de Os Amigos, fazendo um papel importante na relação da população com o trânsito, o clima e a violência.

"Quando li pela primeira vez o roteiro de A Via Láctea achei que ela era uma mulher louca. Mas, no processo de filmagem, no qual discutimos muito, tive a oportunidade de conhecer essa pessoa única no cinema. Hoje posso dizer que a compreendo", lembrou Ricca, que em Os Amigos teve seu papel escrito por Chamie, a quem descreve como "amiga eterna", exatamente para ele. "Saber disso me faz pensar que eu podia parar de fazer cinema agora, pois já fiz de tudo."

A proximidade dos dois, no entanto, não impediu que a nova experiência fosse menos complicada. Diferente de outros diretores, que permitem improvisar, deixam falas inteiras nas mãos dos atores, Chamie é metódica em seu trabalho, gosta de realizá-lo da forma como foi escrito, sem espaços para mudanças. "Ela é de um rigor absoluto", continuou Ricca. "Lembro que, quando começamos a filmar, ela falou na hora que estava tudo errado, que eu estava levando o personagem para um outro lado."

A mesma sensação teve Rodrigo Lombardi, que no cinema havia apenas feito figuração, justamente em A Via Láctea. "Eu tive apenas três falas em Os Amigos, mas demorou muito para conseguir fazê-las. Achei que nunca ia conseguir", confessou o galã de novelas da Globo, que conheceu a diretora através de Ricca, velho amigo seu. "A Lina tem um olhar tão apaixonante que você quer dar tudo de si. E a sensação no set é de que ninguém está trabalhando, mas, sim, brincando", disse. "Fiz uma cena do filme, mas, quando saí de lá, disse para mim mesmo, 'nossa, fiz cinema!'", sorriu.

Se a profundidade com que a diretora trata seu protagonista impressiona, o longa, no entanto, não tem a pretensão de chegar a algum lugar além daquele dia na vida de Théo. Não há mensagens, tampouco conclusões. Apenas a intimidade de um dia na vida de um sujeito que finalmente parece querer se voltar para a felicidade de viver que deixou para trás. 

"Não é um filme de grandes viradas, mas de pequenos gestos", avaliou Chamie. Lombardi, por sua vez, foi mais incisivo em sua opinião. "É um filme de sensação, em que você abre o peito e deixa o coração bater. Acima de tudo, é um filme de identificação imediata", enfatizou.

Qualquer um que algum dia tenha respirado deve entender a mensagem.

Fonte: Terra
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