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Cinema

 
 

Briga das fitas afeta chances de "Carandiru"

04 de novembro de 2003 15h59

Cena de  Carandiru. Foto: Divulgação

Cena de Carandiru
Foto: Divulgação

Jack Valenti, cappo vitalício da MPAA, até agora, tem defendido a sua alegação original: a cornucópia de fitas e DVDs seria uma das principais fontes de pirataria. Valenti e os CEOs das majors teriam sido convencidos disso numa reunião no final de setembro, durante a qual uma representante da Recording Industry Association of America (RIAA) teria falado da ruína imposta à indústria fonográfica pela pirataria.

A apresentação teria sido complementada por pesquisas executadas por dois estúdios, segundo as quais 13 títulos concorrentes a prêmios ano passado foram pirateados a partir de cópias em fita enviadas a votantes.

Segundo os mesmos relatórios, dos 68 DVDs remetidos em 2002, 34 teriam sido pirateados (desde 1999 toda cópia remetida a um votante traz uma identificação por nome ou número). Os representantes dos mesmos estúdios - Warner e Fox, segundo reportagens da imprensa especializada - teriam afirmado também que, por suas observações, "câmeras dentro de exibições privadas e o envio de fitas" seriam as principais origens dos VHS e DVDs piratas.

Uma visão que tem sido amplamente contestada. Um estudo independente, recentemente realizado pelo centro de pesquisa AT&T Labs-Research, mostrou que as principais fontes de cópias ilícitas de filmes estão dentro da própria indústria, principalmente "nas empresas de pós-produção, ilhas de edição e departamentos de marketing com acesso privilegiado ao material".

Um integrante da Academia disse à revista Variety que a proibição "não passa de um gesto para acalmar Wall Street e mostrar que a indústria do cinema está fazendo alguma coisa para não acabar como a do disco. Os estúdios estão sangrando por dentro. Eles têm que mostrar que estão fazendo alguma coisa".

Uma outra teoria em curso na indústria garante que tudo não passa de uma manobra para garantir uma vantagem aos chamados "filmões" - os que têm mais chances de serem vistos com ou sem envio de fitas, e que, ultimamente, têm sido regularmente suplantados pelos independentes na hora das premiações.

Uma teoria-paranóia vigente garante que a Warner levantou a bola da pirataria exatamente para garantir a vantagem de suas caríssimas produções deste ano - os dois Matrix, O Último Samurai (estrelado por Tom Cruise) e o terceiro O Senhor dos Anéis.

Quem ganha com a proibição?
Aparentemente, os filmões mesmo - com ou sem DVDs particulares, eles são muito mais acessíveis a todos os votantes, e, nos Estados Unidos, uma grande parte dos concorrentes deste ano já está disponível em DVDs e fitas legais.

Mas, no outro ponto do espectro, os verdadeiros independentes, não afiliados a estúdio algum e portanto não afetados pela proibição, estão com enorme vantagem. Como disse um representante da ultra-independente Lion's Gate, "vamos fazer o possível e o impossível para que o maior número de votantes em todos os prêmios veja nossos filmes".

A Academia e seu Oscar também se beneficiaram pela meia-volta da MPAA, garantindo acesso privilegiado a uma maior gama de lançamentos. Considerando que, este ano, o Oscar foi antecipado para 29 de fevereiro exatamente porque a Academia estava preocupada com a crescente popularidade e prestígio dos Globos de Ouro, há fundamento para esta suposição.

Este privilégio tem provocado extrema revolta em todas as demais associações e entidades que distribuem prêmios - e que, todos os anos, funcionam como uma pré-seleção para o Oscar. Essa revolta não deve ser subestimada, porque pode trazer retaliações sérias na hora de votar.

Quem perde com a proibição?
Quem mais perde são exatamente os que mais vinham colhendo bons frutos com os prêmios nos últimos anos - os setores especializados dos estúdios. Na realidade, o modo como a proibição foi urdida, sem a participação dessas divisões, sugere que há algo de podre neste estranho reino de Hollywood.

Estas divisões não têm as amplas verbas de marketing de suas matrizes, lançam filmes num número reduzido de telas e apóiam-se largamente na opinião de críticos, no boca-a-boca, nas listas de melhores - e nas indicações para os prêmios. E isso é obtido, em grande parte, pela distribuição de fitas e DVDs, através das quais filmes obscuros capturam a necessária atenção. Foi exatamente este o caso, em anos recentes, de títulos como Garotos não Choram, Deuses e Monstros, Despedida em Las Vegas e Billy Elliot.

Parece um contra-senso que um grande estúdio possa dar um tiro no próprio dedão - no caso, a divisão especializada - em nome da vaidade da matriz. Mas¿. Isto é Hollywood.

Isso afeta as chances do Brasil?
Afeta. Não no Oscar - como a MPAA optou por privilegiar a Academia, os votantes do comitê de filmes estrangeiros terão todas as cópias que precisam para ver Carandiru (distribuído e produzido pela Sony Classics) e seus rivais.

Mas no Globo de Ouro - o primeiro, nos Estados Unidos, a abraçar Central do Brasil e Fernanda Montenegro, e um dos poucos a indicar Cidade de Deus, ano passado - e nos demais prêmios as chances de Carandiru diminuem consideravelmente.

Ironicamente, aumentam as oportunidades de todo filme brasileiro que não tenha distribuição nos EUA ou esteja sendo distribuído por um independente não-signatário da MPAA. Como os Globos aceitam inscrições feitas diretamente pelos produtores, as portas estão abertas.

Jornal do Brasil
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