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O Brasil de Carmen Miranda está mudando lá fora, diz pesquisador

6 abr 2011 - 17h29
(atualizado em 7/4/2011 às 11h15)
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O professor Tunico Amâncio (da Universidade Federal Fluminense) concluiu, no fim dos anos 1990, uma longa pesquisa sobre como os estrangeiros capturam a imagem do Brasil no cinema, fosse ele hollywoodiano ou europeu. Em todo caso, eurocêntrico. O resultado virou livro em 2000, com a publicação de O Brasil dos Gringos: Imagens do Cinema, trabalho que virou um documentário de Lúcia Murat pouco depois. Passados mais de 10 anos, temos a estreia da animação Rio, filme que, possivelmente, vai aquecer a imagem do Rio de Janeiro, cartão-postal do País, para uma bilheteria de milhões de pessoas além de nossas fronteiras.

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No filme de produção hollywoodiana (Blue Sky/Fox Animation) e direção do brasileiro Carlos Saldanha, alguns dos elementos de fácil identificação do País estão ainda presentes em cena: há a favela, os ladrões de turistas (na figura de macaquinhos), o Carnaval, as mulatas, o futebol e, sim, o chapéu de Carmen Miranda. Mas, de uma maneira sutil, o filme vai buscar em outros elementos uma cidade um pouco menos óbvia. Sobre essa visão "gringa" da cidade e, portanto, do País, o Terra conversou com Tunico sobre o histórico e o porquê desses clichês.

O Brasil de Carmen Miranda

"Nos anos 1940, temos um olhar sobre o Brasil que é o do trópico, do exotismo, da incorporação urbana ao circuito turístico internacional dos cassinos, dos grandes hotéis de luxo e da aparição do samba. Carmen Miranda vai ser um símbolo bastante claro disso aí. Essa imagem do Rio vai persistir durante bastante tempo, é endenica."

O Brasil do Zé Carioca

"E aí vem a caravana do Walt Disney no Brasil. Que vem para cá com o objetivo de passar uma série de informações para os Estados Unidos em forma de documentários sobre coisas específicas da cultura brasileira. Esses filmes são passados em escolas e isso vai marcar muito o inconsciente americano durante muito tempo."

O Brasil da vida mansa

"Nos anos 1960, no pós-guerra, quem vai descobrir o Brasil são os europeus. Com uma terra arrasada, principalmente para os italianos e franceses, eles começam a vir. E aí a luz dos trópicos, o calor, os coqueiros, as mulheres. Tudo isso vai dar uma renovação dessa versão colorida dos trópicos e os temas já são outros como, por exemplo, a mestiçagem social positivada e a percepção de uma certa joie de vivre, de que as pessoas não trabalham muito por aqui. E a cidade é sempre palco, fundo, a história geralmente só envolve personagens estrangeiros.

O trabalho não existe no Brasil. Todos os filmes quando chegam aqui mostram as pessoas sempre sambando, mesmo em São Paulo! Raras vezes as pessoas têm um trabalho. Elas só fazem parte dessa prestação de serviço turística, como o cara que carrega mala no hotel. Mas nunca se encontra, por exemplo, um advogado. É o mundo do lazer, não é do trabalho."

O Brasil de James Bond

"Durante a ditadura no Brasil, vai se inibir quase que totalmente a presença desses filmes por aqui. Quem vai tirar o País dessa economia de visibilidade internacional é James Bond, que vem pra cá em 1979 e faz aquela luta no bondinho, sai do Rio de Janeiro, cai direto em Manaus, de Manaus cai em Foz do Iguaçu, numa sequência de pura criatividade (risos)."

O Brasil das favelas

"A partir daí, o Brasil volta aos poucos a esse cinema estrangeiro, mas aí já contaminado pelas mazelas do tempo moderno. Há o momento em que se descobre a Amazônia, os italianos vão fazer uma porção de filmes sobre tribos indígenas canibais. Nesses últimos anos, o que se vê é que esse Éden do começo foi contaminado pela modernidade, teremos sequestros, favelas, drogas."

Mensagem bilateral

"Essa fantasia vem desde a Carta de Caminha, das mulheres lindas e nuas na praia. De uma certa maneira, o Brasil incorpora essas ideias e as vende. Essa imagem não é unilateral, ela é até bem estimulada por nós. É um jogo e negociação."

Recebemos mais, enviamos menos

"Tudo isso é resultado de um desequilíbrio nas trocas simbólicas. A gente sempre recebeu muito mais informação deles do que enviou. Mas hoje a percepção do brasileiro lá fora é outra. Então, o que era uma experiência longínqua, passa a ser tratada com doses de experiência vivida da relação com o brasileiro. Até mesmo nosso cinema, pouco ainda, começa a circular em grande escala. E com a internet e as redes sociais esse fluxo passa a ser outro. Embora se mantenham ainda alguns princípios, essa imagem clichê é cada vez mais atenuada."

Achatar é preciso, aprofundar não é preciso

"Na grande indústria de entretenimento, quanto mais se achata uma informação, mais você vai lucrar com isso. Essa é a regra. Quanto mais sofisticado, menos gente verá aquilo. Então acredito que existe sim uma intencionalidade de não aprofundar questões e não arredondar personagens."

Em 'Rio', de Carlos Saldanha, o adereço Carmen Miranda continua lá
Em 'Rio', de Carlos Saldanha, o adereço Carmen Miranda continua lá
Foto: Divulgação
Fonte: Terra
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