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"Este filme libertou a minha fala", diz diretor de 'Uma Doce Mentira'

14 jun 2011 - 11h57
(atualizado às 12h05)
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Emilie (Audrey Tautou), uma jovem de 30 anos, dirige um salão de cabeleireiro, e está sempre fornecendo um fluxo interminável de conselhos bem-intencionados para seus clientes e amigos. Infelizmente a única pessoa que ela não consegue ajudar é Maddy (Nathalie Baye), sua mãe, que perdeu a vontade de viver desde que foi deixada por seu marido.

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Jean (Sami Bouajila), um jovem que trabalha para Emilie está secretamente apaixonado por ela, mas uma timidez patológica o impede de declarar seus sentimentos. Finalmente, incapaz de conter-se, ele abre seu coração em uma carta apaixonada e anônima.

Totalmente insensível pela confissão e apavorada ao ver a sua mãe caindo cada vez mais profundamente no desespero, Emilie prepara um plano maluco: ela vai mudar o nome no topo da carta e enviá-la para Maddy.

Profundamente tocada por esta bela declaração de amor, Maddy redescobre a vontade de viver e começa a esperar a chegada do correio. Enquanto ela está nas nuvens ao perceber que sua mãe está retornando à vida, Emile tem plena consciencia dos problemas que terá pela frente. Não somente em escrever mais cartas de amor, mas de encontrar alguém que esteja disposto a ser o autor das cartas de amor.

Confira abaixo uma entrevista com Pierre Salvadori, diretor de Uma Doce Mentira (De vrais mensonges)

Como surgiu a história do filme Uma Doce Mentira?

Pierre Salvadori - Com Benoit Graffin, o meu co-roteirista, o processo é quase sempre o mesmo: para começar, nós nos encontramos, conversamos sobre as nossas vidas. De repente, alguma coisa que nós é íntima e particular e que nos preocupa e ocupa nossas mentes parece ser o material ideal e propício à comédia. Nós desenvolvemos então o assunto e as situações evoluem e os personagens podem surgir ou não. Para Uma Doce Mentira, as coisas aconteceram exatamente dessa forma. Existe uma pessoa próxima a mim, a qual descrevi ao Benoît e por sua vez houve uma outra pessoa próxima dele, a qual ele me descreveu. Daí pensamos que estas duas pessoas poderiam ser bons personagens de um enredo e, adicionando um rapaz, pudéssemos talvez ter uma boa história. E aí está... Assim começou o nosso pesadelo!

Por que o "pesadelo"?

Salvadori - Não era fácil manter a credibilidade com uma história como essa. A escrita foi longa e difícil, porque eu queria controlar a situação até o fim através de várias mentiras que levassem a verdade. Aí no início do trabalho você conta isso ao roteirista e ele te responde: "Ah, Maravilha!" Porém em seguida ele passa a te odiar pelo resto do ano! Como muitos outros personagens em seus filmes anteriores, os três personagens do filme têm em comum uma falta de confiança própria... As pessoas que são muito estudiosas às vezes se impressionam pelas pessoas que são autodidatas, e essas últimas se tornam complexadas pelas pessoas que estudaram muito: esse comportamento duplo é efetivamente a fonte para a história deste filme. É verdade que essa questão paira em quase todos os meus filmes. Os filmes se parecem com as pessoas que os fizeram: eu tive por muito tempo uma timidez assustadora, era muito inseguro quanto ao meu gosto e, portanto era praticamente mudo. Estando certo ao gostar de um filme, e se tratando de um bom filme, pode-se explicar o crescimento da minha segurança. Este filme libertou tudo, até mesmo a minha fala.

De que filme se trata?

Salvadori - O Céu Pode Esperar (Le ciel peut attendre), do bondoso médico Lubitsch. Dependendo do que acontece com eles, o que está acontecendo ao redor deles e entre eles, os personagens tornam-se alternadamente ternos, amorosos ou também cínicos, e perversos... Os personagens monolíticos em demasia, são chatos. É melhor tentar dotá-los de emoções complexas, paradoxais, especialmente em uma comédia. Gosto que um personagem, que a princípio é bondoso ou generoso tenha impulsos malvados dormentes que são despertados em determinadas situações. No começo do filme, Jean é um personagem tão bondoso que parece até chato e no final, por sua vez, se torna violento. Quanto a Emilie, que o ama e quer salvar sua mãe, ela acaba transformando Jean em um ser cínico e sua mãe em uma pessoa manipuladora! Esse contágio dos maus comportamentos também estava no projeto original.

Você define logo no início cada personagem de uma forma muito significativa: Emilie é o pavio de seu personagem, Jean observando Emilie por detrás do vitral colorido ou Maddy tomando seu chá quente num único gole...

Salvadori - Eu adoro a exibição de filmes. Na maioria das vezes, duas ou três cenas, nos dizem tudo de um personagem e o que poderá acontecer com ele. Este é o começo do filme, sendo que ainda não estamos nos preocupando com o enredo e é um daqueles momentos em que você pode tentar ser o mais cinéfilo possível, definindo o estilo.

Como nasceu a sequência da confissão de Emilie para Jean com a projeção de sombras atrás da cortina, sob o olhar de Maddy e Paulette?

Salvadori - O roteiro inicial não era o mesmo. Nathan deveria descobrir a verdade, escutando o diálogo por trás de um biombo de treliça. Eu não estava feliz com a disposição da decoração e a cena estava se transformando em algo banal. Foi Henry Gilles, meu operador-chefe, que me falou de uma projeção de sombras que havíamos utilizado em Aprés vou. A partir daí, tudo se resolveu. Eu disse a mim mesmo que, se os dois personagens se destacam também por trás da cortina, deveríamos talvez tentar usar um pouco mais de artificio. Eu então coloquei em primeiro plano a Nathalie Baye e Judith Chemla (Paulette), sentadas lado a lado, como duas espectadoras assistindo a um filme. Isso traz imediatamente um pouco de distanciamento, uma ironia na cena e assim me permitiu, discretamente, discutir aquilo que falamos sobre o gosto pelo cinema, pelo gênero, mas também a importância do artifício, que é inerente à ficção. De qualque forma, esta cena foi difícil de montar.

Seu filme está construído sobre uma infinidade de reviravoltas. O menos esperado é, talvez, a vingança de Maddy, que não está longe de ser imoral: ela não hesita em seduzir o homem pelo qual sua filha está apaixonada. Quais foram as suas intenções indo tão longe em sua vingança?

Salvadori - Eu queria que a mãe também tivesse a sua vingança, que ela pudesse, num dado momento odiar a sua filha e tirar proveito de uma situação que de início lhe era desfavorável. Eu queria a todo custo evitar a "mater dolorosa" disposta a tudo pela felicidade de sua filha, a mulher de status de mãe santificada. Eu sempre acho isso um pouco esquemático e irritante no cinema. Além do mais, isso coloca perguntas que me interessam: "pode-se ajudar alguém e traí-lo em um mesmo movimento?", "pode-se amar uma pessoa e traí-la com a mesma vontade?". Em se tratando de mãe e filha, isto me parecia ainda mais apaixonante. Enfim me parecia que a mãe precisava de uma pequena vitória para que a reconciliação fosse possível. Simplesmente, isto às vezes se decide, para evitar ser piegas, por instinto ou por maldade. É necessario ter também uma certa crueldade na comédia.

Por que você quis trabalhar novamente com Audrey Tautou?

Salvadori - Porque ela não só tem uma técnica incrível, mas também um despreendimento suficiente para não se deixar levar. Ela tem o domínio necessário para ser engraçada sem ser cômica. E a humildade. Para se fazer uma comédia deve-se deixar de lado o orgulho e nem demonstrar, nem mesmo que discretamente, que somos mais espertos do que o personagem. É preciso ser muito verdadeiro em situações imprevisíveis. E sobretudo acho que novamente tivemos o mesmo filme em mente. Ao entender exatamente para onde eu queria chegar, acredito que ela me ajudou na sua execução. Isto também é o que me leva a voltar a trabalhar com determinados comediantes, como aliás já fiz com Marie Trintignant e Guillaume Depardieu. Eles se tornam aliados em meus planos. E com a Audrey me entendo perfeitamente. Os filmes são, em meu caso pelo menos, tão difíceis de fazer... que prefiro ter um ambiente de trabalho agradável!

O papel de Maddy foi escrito para Nathalie Baye?

Salvadori - Sim. Eu precisava desta pequena estranheza, dessa candura, dessa doce loucura e também dessa agilidade para que esta mulher fosse comovente e engraçada. Natalie tem uma natureza burlesca e cômica: não há ninguém melhor que possa seguir o Sami Bouajila na rua, em pleno sol, nesse traje surpreendente, andando estranhamente, costas arqueadas, queimando os pés. Quando comecei a escrever eu já tinha ela em mente, tudo estava livre. O diálogo veio mais facilmente, as situações estavam tomando outro rumo. Ela é muito inspiradora, mesmo antes que eu a encontrasse, sendo a pessoa ideal para o papel de uma musa. Nathalie também não tem receio em se despreender. Em um certo momento, ela estava realmente derrotada no filme. Pela vida, pelas pessoas, pelos acontecimentos. Era necessário encarar isso com uma certa crueldade, beirar o patético. Era preciso que ela fosse convicente, emocionante, para em seguida ser dura sem ser cruel... Ou apenas ser engraçada. Eu acho que é preciso ter muita liberdade para se deixar levar dessa forma, uma boa dose de segurança e, novamente, muita modéstia. Eu acredito que a comédia é um gênero que exige muita submissão, humildade ou desapego face a história. A situação deve prevalecer sempre, e não o desempenho. Isso é o que esse tipo de atriz sabe fazer instintivamente.

E Sami Bouajila?

Salvadori - Em 1992, assisti o filme de Anne Fontaine, Les histoires d'amour finissent mal en général, no qual ele estava deslumbrante. Quando o encontrei, eu lhe disse que esperava que pudéssemos trabalhar um dia juntos. Ele já havia me emocionado também com o filme Les Silences du palais, onde o achei ambíguo, misterioso e belo. Eu me perguntava se ele poderia atuar numa comédia com tanta precisão e atenção e então lhe propus um teste que não durou nem cinco minutos. Nesta história, Sami é a vítima, é aquele que não percebe esta situação, aquele que nada entende. Em uma comédia, a reação é mais rápida do que da ação, sendo que Sami compreendeu isso muito bem e soube se beneficiar disso tremendamente. Ele não exagera, confia no espectador e é isso que o torna tão eficiente. Ele tem expressões atordoantes tão marcantes, suspiros e olhares tão sinceros que às vezes me deixavam sem saber como prosseguir com a montagem da cena: tudo em decorrência do absurdo que a Audrey interpretava ou da expressão da reação completamente desconcertante do Sami.

As atrizes Judith Chemla (Paulette) e Stephanie Lagarde (Sylvia) também são muito marcantes!

Salvadori - Eu devo ter visto 30 ou 40 pessoas antes de encontrar Judith Chemla para o personagem Paulette. É uma atriz muito interessante, que pode ter um rosto perturbador ou totalmente cândido, com seus grandes olhos azuis e redondos. Ela tem o corpo de uma dançarina, o qual ela consegue transformar facilmente em vulgar. Ela é graciosa e engraçada. Diaphane é pura, suave e, por vezes, inquieta. Este físico ambíguo e este domínio de cena que ela tem me fazem acreditar muito nela. Stephanie Lagarde, que interpreta Sylvia, eu a vi há muito tempo em L'Île aux esclaves, de Marivaux, e aí eu queria levá-la em Hors de Prix para interpretar o papel, no final do filme, de uma garota de programa, mas infelizmente nesse meio tempo ela engravidou. O diretor de elenco me lembrou dela para esse filme, fizemos alguns testes daí optamos por ela!

Os cenários de seu filme são muito importantes também para melhorar a artificialidade...

Salvadori - Sim. O salão de beleza não é muito realista, era preciso criar cantos, espaços, que pudessem ser abertos para observar e que podiam também se fechar para o isolamento, vitrais, uma área para discussões além de um observatório central para analisar reações faciais. Entendo que os locais públicos, tais como, hotéis ou restaurantes, são ideais para a comédia, os personagens devem sempre manter a postura diante de situações difíceis. Como se eles estivessem no palco. Solicitei que colocassem na casa de Maddy, pequenas cortinas vermelhas com rendas para dar a impressão de que os confrontos entre mãe e filha estariam se passando num palco de teatro. Esse tipo de tomada de decisão, quando da filmagem, destila uma pequena ironia, um prazer, não necessariamente definido pelo espectador, mas que ajuda a acentuar a artificialidade poética da narrativa. Jamais se descobre a verdade observando penumbras refletidas num lençol estendido, mas sim vasculhando gavetas ou telefones. É isso que tento evitar, como diretor, a todo custo.

Eu ainda sinto que filme após filme, você consegue ir mais longe na exploração de seus temas, de suas obsessões ou da evocação de seus personagens...

Salvadori - Eu não sei se vou tão longe, mas tento me aprofundar cada vez mais. Estar ainda mais envolvido pela ficção, obter uma narrativa mais rigorosa, fazer com que os personagens possam ir além de seus próprios defeitos, de suas violências e de suas complexidades. O personagem de Jean está completamente perdido no final do filme, quando o vemos no reflexo da janela do trem, indefinido, vago, afetado pela história.

Seus filmes parecem que muitas vezes usam a comédia para tratar de questões que poderiam ser tratadas em um gênero mais sério. Quais são os temas que te inspiraram a escrever este filme?

Salvadori - Primeiramente acho que a comédia é um gênero que pode ser levado muito a sério, ou mais precisamente, que devemos levar a sério. É uma espécie ambígua e frágil, usada em demasia e pouco valorizada: desde sempre, quem quer ganhar dinheiro com cinema acha que é preciso fazer rir a qualquer custo, e muitas vezes da forma mais banal, se possível. Isso acabou projetando uma imagem de comédia um tanto ambígua e indigna e assim rapidamente distorcida. Muitas vezes esquecemos sua essência: a elipse, a ironia, a importância da narrativa, o estilo, os personagens que resultam em: o riso. Isso é o que nos traz os filmes cínicos ou paródicos. Então, se eu tratar de alguns assuntos de forma mais ou menos graves por meio da comédia, é porque eu escolhi primeiramente esse genêro. A escolha da comédia antecede a escolha da história e, em seguida é que os temas me são impostos.

A escolha do gênero precede à escolha do tema?

Salvadori - Sim. É muito importante para mim, fazer assim. O gênero é que faz com que o cinema sobreviva. E isso, eu acho, é que foi a intuição de quem o desenvolveu: a ideia de que o gênero era crucial para esta sobrevivência. Então é assim que eu acho que é a sua natureza, complexa e emocionante. O que está além do genêro é a experiência, que pode ser mais ou menos cativante. Portanto para mim a verdade profunda do cinema, a sua verdadeira natureza da "arte industrial" se expressa através do gênero. Eu tenho, no meu caso, dificuldade em pensar numa abordagem alternativa para o cinema. Outrossim tenho também a sensação de não ser criativo ou inventivo caso meu trabalho seja restrito por determinadas regras da narrativa. Quando se trata de ficção, se tudo for possível, nada acontece. Há pouco tempo, eu estava relendo um texto de Daney, escrito por ocasião da morte de François Truffaut. Ele concluia: "Ele se esforçou em fazer de sua paixão uma profissão pensando de forma positiva e respeitando as regras do espetáculo." (a confirmar). Esta frase me deixou de um extremo bom humor durante todo o dia.

Que parcela de influência tiveram determinados autores de teatro no seu trabalho? Por exemplo: Marivaux, Musset ou Feydaux.

Salvadori - Não se trata de influências, mas de desafios legados! Com Benoît, quando estamos desanimados, nós vemos filmes ou lemos peças de teatro. A gente se questiona muito quando escrevemos um roteiro e somente o prazer decorrente da leitura dessas peças ou de ter assistido a alguns filmes nos trazem respostas. Os personagens, os meios, as épocas mudam, mas todas são obras que objetivam um desejo constante de satisfazer o espectador. Acredito que não se pode encontrar referências ou influências diretas desses autores, mas espero que seja possível identificar o nosso prazer que tivemos ao lê-los. Reler Musset, Marivaux, La Cava, Lubitsch me faz sentir bem. Isso me faz lembrar onde quero chegar! Isto não é deprimente pois alcançá-los é uma meta inatingível. Mas a orientação é perfeita.

Pierre Salvadori (esquerda) dirige o filme 'Uma Doce Mentira'
Pierre Salvadori (esquerda) dirige o filme 'Uma Doce Mentira'
Foto: Getty Images
Fonte: Terra
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