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Itamar Assumpção ganha documentário à altura de sua obra

7 jul 2011 - 17h31
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Carol Almeida

Entrevistadas em momentos e locais distintos, a compositora Alice Ruiz e a cantora Suzana Salles chegam a uma só conclusão em determinado momento do filme: "não devia ser fácil ser Itamar Assumpção". O artista que conseguiu dar nós e laços com a linha do horizonte musical brasileiro tinha, como essas duas bem sabem, uma consciência extraordinária do mundo, bem como da sua latitude e longitude crítica diante dele. Algo que podia ser tão genial para o público quanto doloroso para o criador. Tendo isso dito, não deve ter sido fácil fazer um filme sobre Itamar Assumpção (1949 - 2003). Mas Rogério Velloso, publicitário convidado pela Itaú Cultural para assumir tal tarefa, fez isso com a elegância que, assim como a latente lucidez, era também própria de Itamar.

Tal qual o artista que documenta, o longa Daquele Instante em Diante, parte da série do Itaú Cultural batizada de Iconoclássicos, é desses momentos que as pessoas precisam ter de respiração. É um ponto-e-vírgula necessário ao nosso trânsito mental, condicionado a não parar na faixa de reflexão.

Ainda que siga os protocolos necessários ao gênero em que se encerra e cometa alguns poucos excessos quando tenta criar imagens conceitos, o documentário de Velloso atravessa a linha do registro e alcança o território não apenas do homem privado, longe dos palcos e das luzes, mas particularmente - e esse é o grande mérito do filme - chega bem perto das ideias que o alimentavam, ditas ora por ele próprio, ora por quem conviveu com ele e, muitas vezes, pelos momentos de silêncio de todos esses personagens, um silêncio quase na cadência de sua música cheia de quebradas.

O filme que chega nesta sexta-feira (8) aos cinemas de São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Salvador e Santos, traz de volta o músico marginal, maldito e, essa sim uma grande subversão, independente. Até o talo. Independência essa que lhe custou uma coerência rara, para não dizer inexistente, no mercado da música. Itamar Assumpção conseguir ser, tanto no conteúdo de sua música, quanto na forma de apresentá-la ao público, um ponto fora da curva. E para fazer um filme sobre um sujeito tão longe do eixo, Velloso toma a liberdade para criar alguns interlúdios conceituais que dão vírgula aos depoimentos.

O filme consegue passar sua mensagem sem que para isso precise de prestigiados nomes da música brasileira para legitimar a genialidade do protagonista que, graças ao mesmo sistema que ele abominava, sempre foi uma coadjuvante na tal indústria fonográfica.

Artista de palco, Itamar nunca foi mercado, estava mais para feira de rua, informal e pessoal. Tinha uma relação de corpo com seu público e na voz grave do negro paranaense-paulista-brasileiro-africano, ele criou sua obra em torno do movimento e da performance, tanto na época de suas apresentações com o Isca de Polícia, até os anos em que ele já estava fisicamente debilitado pelo câncer - "Não me toquem nessa dor, ela é tudo que me sobra. Sofrer vai ser minha última obra".

É no tom do corpo em movimento que o diretor Rogério Velloso procura os entrevistados de seu filme. Usa uma estética de cafezinho, aquela em que você liga a câmera no ambiente mais confortável do dono ou dona da casa e deixa o microfone aberto. Com freqüência, vemos a câmera na cozinha e na sala de estar, como que procurando por essa informalidade e pessoalidade.

Nessa ambientação, o filme consegue depoimentos importantes e emotivos de gente como Paulinho Lepetit, Marta Amoroso, todas as mulheres que fizeram parte da banda Orquídeas do Brasil, além de sua família, a mulher Zena Brigo de Assumpção, e as filhas, Serena e Anelise, sendo esta última também cantora.

Pop, porém não popular, Itamar é construído coletivamente a partir das memórias dessas pessoas, bem como nos vários trechos de shows coletados do acervo de várias emissoras e produtoras nacionais - a lembrar que boa parte dessas apresentações pode também ser achada hoje no You Tube. No total, foi uma seleção de quase 2 horas de filme de uma soma de 200 horas de imagem que a produção tinha em mãos. A edição de imagens, nesse sentido, chega a ser heróica, até porque é muito fácil se seduzir pela imagem e voz de Itamar, difícil mesmo é fazer aquilo que o (sic) 'vanguartista' não se permitia: editá-lo.

Itamar Assumpção em uma das entrevistas de acervo exibidas no filme
Itamar Assumpção em uma das entrevistas de acervo exibidas no filme
Foto: Divulgação
Fonte: Terra
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