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'The Secret of Kells' enfrente os grandes da animação na cor

5 mar 2010 - 10h46
(atualizado às 11h21)
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Melena Ryzik

Mesmo em um ano com muitos indicados improváveis ao Oscar, Tomm Moore se destaca. Moore, o diretor da animação The Secret of Kells, cresceu e ainda mora em Kilkenny, na Irlanda, uma cidade com apenas uma catedral e poucos milhares de habitantes, a cerca de uma hora e meia ao sul de Dublin e 8,3 mil km de Hollywood.

Mas não é só a geografia que faz de Moore uma inclusão surpreendente na corrida pelo Oscar. Contam também o estilo e a história de seu filme independente, um trabalho amoroso feito à mão por 6 milhões de euros (cerca de 15 milhões de reais), o equivalente ao que, em tempos mais impetuosos, alguns estúdios gastariam somente na campanha ao Oscar de um filme. Se, artisticamente, The Secret of Kells nos remete à era que antecedeu a animação digital, sua promoção é um produto autêntico da era digital, abrindo mão dos caros anúncios e festas chamativas, com os quais geralmente se elaboram as campanhas para os prêmios da academia, e utilizando mídias sociais mais baratas e marketing voltado para especialistas. Foi um gracejo, e funcionou.

"Coçamos nossas cabeças e dissemos, 'Qual é a melhor maneira de conseguir que este filme seja indicado'", disse Eric Beckman, presidente da GKIDS, a empresa de quatro funcionários que comprou os direitos de distribuição de The Secret of Kells apenas alguns dias antes do prazo final de entrega dos formulários para concorrer a uma indicação ao Oscar. "Precisamos lançar grandes anúncios na revista Variety para alcançar as cerca de 100 pessoas nesse comitê? Parecia que uma campanha viral, no boca a boca, seria mais bem sucedida".

Situado numa abadia distante da Irlanda medieval, The Secret of Kells segue as aventuras de um garoto -um jovem monge em treinamento- enquanto ele trabalha como iluminador para terminar o Livro de Kells, o manuscrito latino transcrito por monges celtas por volta de 800 d.C. e considerado um tesouro nacional irlandês. Rico de mitos pagãos e simbolismo jungiano, o filme é ricamente ilustrado para imitar o estilo sem perspectiva da arte pré-renascentista: não exatamente algo trivial. Exceto por uma semana de exibições de qualificação em Los Angeles e outras em festivais de Nova York, The Secret of Kells não foi exibido nos Estados Unidos. O filme deverá entrar em cartaz em Nova York na sexta-feira, dois dias antes do Oscar, e chegar a mais salas de cinema por volta do feriado de St. Patrick´s Day, 17 de março. É o primeiro longa-metragem de Moore.

Contudo, ele compete com grandes nomes como Pixar e Disney, cujos filmes Up - Altas Aventuras e A princesa e o Sapo também foram indicados ao Oscar, ao lado de Coraline e O Fantástico Sr. Raposo.

"Ainda estamos nos beliscando", disse Moore, 33, que se autodescreve como um nerd dos quadrinhos com cavanhaque e óculos retangulares, em uma entrevista em Nova York na semana passada. Ele começou a trabalhar em The Secret of the Kells enquanto estudava animação na faculdade, movido por um interesse em história e particularmente no estilo gráfico ornado do verdadeiro Livro de Kells.

Para fazer o filme, ele formou uma empresa com alguns amigos de faculdade. "Queríamos fazer algo neste tipo de tradição galesa", disse ele, "e sabíamos que muitas pessoas gostavam do desenho celta, porque podemos vê-lo em tatuagens e em pubs irlandeses -está em toda parte". Atraído primeiramente pelas imagens, ele desenvolveu o enredo enquanto pesquisava o Livro de Kells, mantido na Trinity College de Dublin, extraindo o máximo possível da história -até o caráter de um gato malfeitor.

A produção começou em 2005 e acabou incluindo 200 pessoas de cinco países; para cortar custos, a animação foi feita em partes, na França, Bélgica, Brasil e Hungria. Seus parceiros pan-europeus incluem Didier Brunner e Viviane Vanfleteren, que produziram As Bicicletas de Belleville -o aumento de vendas resultante de sua indicação ao Oscar em 2004 ajudou a financiar The Secret of Kells -e Fabrice Ziolkowski, um escritor francês que ajudou a desenvolver o roteiro.

Distribuído pela Disney e promovido como uma aventura para a garotada, o filme estreou na Irlanda no feriado de St. Patrick's Day no ano passado, mas não foi um sucesso desenfreado. Quando sua distribuidora original dos EUA foi à falência, ela foi vendida para Beckman da GKIDS, que já acompanhava a empresa em seu papel como fundador do Festival Internacional de Cinema Infantil de Nova York. The Secret of Kells é a primeira empreitada da GKIDS na distribuição de grande escala; por isso, quando o agente de vendas francês Hengameh Panahi sugeriu que eles inscrevessem o filme para concorrer a uma indicação ao Oscar, Beckman prontamente concordou.

O filme chegou com grande entusiasmo dos fãs de animação, após vencer o principal prêmio da audiência do Festival de Cinema de Edimburgo em julho, a primeira animação a conseguir isso, e com a ajuda do blog de Moore, theblogofkells.blogspot.com, no qual ele narra a produção do filme desde 2005. Para tirar proveito disso, a GKIDS fez exibições do filme em escolas de animação e organizou campanhas no Facebook e no Twitter.

A GKIDS foi ajudada por uma "superfã", Jamie Bolio, uma animadora que havia se apaixonado pelo filme em Edimburgo. A companhia essencialmente permitiu que ela atuasse como relações públicas, autorizando suas postagens na página do Facebook de The Secret of Kells e fornecendo 200 DVDs para que ela os distribuísse na indústria de desenho animado de Los Angeles.

Na exibição de qualificação do filme para o Oscar, a GKIDS alugou uma sala de cinema em Burbank, próxima a muitos estúdios de animação. Moore fez uma sessão de perguntas e respostas para uma sala com cerca de 60 pessoas, que incluíam alguns designers e executivos importantes -e jurados da academia- do setor de animação. O apoio a The Secret of Kells ficou claro quando o filme foi indicado ao Annie, um prêmio da indústria, tendo sido um dos poucos filmes independentes a conseguir isso.

"Percebemos que havia uma história autorreflexiva no filme, sobre um garoto que queria ser artista e estava tentando preservar algo que é bem difícil em tempos difíceis, então nós meio que sentimos que isso refletia o que estávamos tentando fazer" com a animação desenhada à mão, Moore disse.

Ele espera que a atenção recebida com a indicação ao Oscar possa impulsionar o filme para um sucesso ainda maior em seu país. "É aquela coisa de sempre na Irlanda", ele disse, "o povo irlandês está se interessando agora porque todo mundo gosta do filme". Como o indicado ao Oscar de Kilkenny, Moore está começando a ter alguns privilégios de celebridade; um ótico local o patrocinou, segundo ele, dando-lhe uma armação de óculos de graça. ("Escolhi a mais cara", Moore disse com orgulho. É Armani.)

Moore e Beckman não acreditam que The Secret of Kells tenha chance de ganhar um Oscar. Mas no caso deles, apenas ser indicado já paga os dividendos: em termos de atenção do público, vendas de DVD e financiamento futuro. Moore acrescentou que esperava poder atrair outras pessoas para criar uma cena de animação independente na Irlanda.

"Tenho a ambição de continuar fazendo filmes assim", ele disse. "Estamos tentando estabelecer uma tradição".

(Tradução: Amy Traduções)

Cena da animação 'The Secret of Kells'
Cena da animação 'The Secret of Kells'
Foto: Divulgação
The New York Times
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