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Dinamarquês 'Em Um Mundo Melhor' provoca, mas nem tanto

25 fev 2011 - 18h58
(atualizado às 19h07)
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Carol Almeida

No caminho da violência, costumamos descobrir onde ela termina, mas dificilmente identificamos de onde ela parte. Sua gênese é um dos grandes mistérios no comportamento subjetivo do homem. A contribuir para a extensa literatura dedicada a buscar as várias nascentes desse mal que acomete a humanidade desde o início dos tempos, Em um Mundo Melhor, filme dinamarquês indicado ao Oscar este ano (e um dos grandes favoritos), consegue criar uma história simples que, filmada com uma inicial ponderação, descasca a lei da ação e reação que se constrói dentro da cabeça de qualquer um que ache na violência a resposta mais fácil. Uma pena apenas que, depois de captar bons momentos dos atores em um roteiro que vai bem na contenção das palavras, o filme termine cedendo a uma lição de moral daquele tipo que cresce com o sobe som da trilha sonora.

O novo trabalho da diretora Susanne Bier é hábil em acompanhar essa natural germinação do ódio em uma criança, mas falha ao tentar dar uma tarefa de casa no fim daquilo que termina em tom de aula. Responsável por outro filme igualmente delicado com as fraquezas do ser humano, Depois do Casamento (2006), e por uma produção made in Hollywood um pouco mais propensa a ensinamentos morais, Coisas que Perdemos pelo Caminho (2007), Bier teve a chance de criar uma história que poderia dar a cara a tapa. Até tenta fazer isso, literalmente, em uma importante e reveladora cena. O problema é ver que houve uma clara preocupação do filme em afagar esse mesmo rosto doído, transformando toda aquela mutação da raiva em guerra numa fábula amena que escorrega no lugar comum do homem herói/Paz Mundial.

Certamente o espectador não entra desavisado, afinal de contas, estamos diante de um filme cujo título no Brasil se chama Em Um Mundo Melhor. O horizonte dourado de boas promessas vem no pacote. No entanto, bem antes desse momento de consolo, o título dinamarquês nos estapeia com personagens muito bem construídos, cujas histórias se cruzam a partir de dois meninos. Christian (William Jøhnk Nielsen) e Elias (Markus Rygaard) se conhecem em um colégio na Dinamarca e são teoricamente bastante distintos de berço: Christian é filho de uma família rica e morava em Londres até a morte de sua mãe. Elias é sueco, filho de médicos que estão se divorciando. O laço entre eles surge da empatia dos excluídos.

Constantemente ameaçado na escola por ser estrangeiro, Elias não se defende. Christian, com pompa de menino de colégio interno, toma as dores de Elias e se projeta como macho alfa ao ameaçar o aluno mais violento da escola com uma faca. Essa briga entre meninos, antes de ser a origem, é na verdade o disparo para sentimentos frustrados de Christian em relação à morte de sua mãe e à conivência de seu pai, que a partir daí vão ganhando corpo de monstro em um raciocínio viciado que, você acompanha, não pode terminar bem.

Esse núcleo infantil, no entanto, está longe de ser o grande trunfo do filme. Os personagens adultos, ora por cegueira, ora por serem inábeis, não conseguem represar a lógica orgânica do ódio cujo estopim se dá no momento em que o pai de Elias recebe um tapa de outro homem. E não reage. A cena é acompanhada pelos dois meninos. Anton (Mikael Persbrandt) é o médico paz e amor dessa história e, não fosse pelo cuidado do roteiro em pontuar que ele está se separando da mulher porque a traiu, facilmente poderíamos ver nele um novo messias da não-violência.

O personagem de Persbrandt (ator que está confirmado no elenco dos dois filmes de O Hobbit) é aquele filmado quase sempre na luz ensolarada dos novos tempos. Médico que faz ponte aérea Dinamarca-África, sua conduta discreta e correta é o contraponto à violência que nasce naturalmente em Christian. Um é a humanidade, o outro a sociedade. E nem uma, nem outra podem ser julgadas à luz de nossas ideologias. Lamentavelmente, Em um Mundo Melhor termina fazendo esse serviço de juiz na prorrogação do segundo tempo. E elimina todo o interessante e benéfico desconforto que o filme provoca na sua premissa.

Cena de 'Em Um Mundo Melhor', indicado ao Oscar na categoria Melhor Filme Estrangeiro
Cena de 'Em Um Mundo Melhor', indicado ao Oscar na categoria Melhor Filme Estrangeiro
Foto: Divulgação
Fonte: Terra
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