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Segunda, 7 de janeiro de 2008, 08h08

Oscar: se você precisa de um passado, ele o constrói

Dennis Lim

O diretor de cenografia Jack Fisk se especializou em trazer mundos perdidos à vida. Mais que os diretores de câmera, são os diretores de arte que respondem pela aparência do filme e criam sua realidade física. No caso de Fisk, os projetos em que ele trabalha tendem a ser mais exigentes em termos físicos e mais apegados à realidade do que costuma ser o caso no cinema.

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Fisk trabalha em escala larga, quase heróica para The Thin Red Line, a meditativa recriação da batalha de Guadalcanal dirigida por Terrence Malick, ele construiu caças da Segunda Guerra Mundial e uma aldeia da Melanésia.

Em The New World, a versão de Malick para a lenda de Pocahontas, Fisk reproduziu o forte construído de troncos e as edificações de barro da Jameston do século 17, em uma área não muito distante de sua localização original.

Mais recentemente, para Sangue Negro, de Paul Thomas Anderson, um épico obsessivo sobre um explorador de petróleo da Califórnia (Daniel Day-Lewis), ele criou do zero um assentamento no deserto ao estilo da virada do século 19 para o 20, repleto de perfuratrizes e plataformas, oferecendo uma visão sombria e poética do velho oeste ao sofrer as primeiras marcas da industrialização.

Fisk, 62, decerto não é um dos diretores de cenografia mais prolíficos do mercado -trabalhou em menos de 20 longas-metragens, e chegou a deixar a profissão nos anos 80, quando decidiu que preferia dirigir filmes -, mas é uma das mais fascinantes figuras não célebres do cinema norte-americano.

Ao avaliar o trabalho dos maiores cineastas das últimas décadas, de Brian de Palma a Anderson, passando por David Lynch, sempre encontramos o nome de Fisk. (Mas ele ainda não foi indicado para um Oscar, lacuna que seu trabalho em Sangue Negro certamente preencherá.)

Fisk foi diretor de produção cenográfica (ou diretor de arte, como o posto costumava ser conhecido) nos quatro filmes de Malick. Foi no primeiro deles, Badlands (1973), que veio a conhecer sua mulher, a atriz Sissy Spacek. No caso de Lynch (para quem ele trabalhou em The Straight Story e Mulholland Drive), suas conexões são ainda mais antigas. Os dois foram colegas de escola na nona série, e dividiam um estúdio de pintura em Alexandria, Virgínia; continuaram colegas mais tarde na Academia de Belas Artes da Pensilvânia, em Filadélfia. Fisk criou as esculturas usadas no primeiro curta de Lynch, e faz uma ponta memorável no primeiro longa do diretor, Eraserhead (1977).

Sangue Negro foi sua primeira colaboração com Anderson, que ele não hesita em comparar a Lynch e Malick. "Como muitos dos filmes em que trabalho, não parece ser uma idéia muito comercial", declarou Fisk em entrevista recente, em Manhattan. "Mas creio que daqui a 20 anos as pessoas continuarão falando sobre ele, do mesmo jeito que falam de Badlands e Eraserhead".

Ao escrever o roteiro, Anderson estava plenamente consciente de que algumas das cenas seriam complicadas em termos logísticos, "mas eu não queria deixar de escrever alguma coisa simplesmente porque não sabia como levá-la à tela", afirmou.

"Acabei me convencendo de que teria de haver uma cena no fundo do poço de uma mina. Quando conversei com Jack pela primeira vez a respeito, ele disse que não fazia idéia de como realizaria o trabalho, mas estava muito interessado em fazê-lo. E isso me animou. É exatamente o que você deseja ouvir de uma pessoa com quem pretende trabalhar".

A primeira grande decisão foi escolher a locação. ¿Passei anos procurando locações na Califórnia, porque é uma história sobre a Califórnia¿, disse Anderson. "Mas é muito difícil encontrar um lugar com visão desobstruída em 360 graus".

Eles também procuraram no Novo México, mas Fisk diz que "as locações não tinham a aparência inóspita que Paul desejava". Foi perto de Marfa, Texas, que eles encontraram o que procuravam: vistas amplas e condições devidamente inóspitas. ¿Havia poeira e calor, e leões da montanha e cobras mortíferas¿, conta Fisk.

Little Boston, a cidade petroleira em que o filme se passa, foi construída em uma fazenda de 24 mil hectares selecionada em parte porque é atravessada pelos trilhos de uma ferrovia. Fisk conta que ele e Anderson passaram dois dias "só andando", para se familiarizarem com o espaço.

Depois, usaram o Google Earth para obter uma vista aérea da área e determinar o posicionamento das principais estruturas: um guindaste de 25 metros de altura, uma casa de fazenda, uma igreja e uma fileira de edifícios, paralelos aos trilhos, que formam o núcleo comercial da cidade. Fisk mencionou Early Sunday Morning, famoso quadro de Edward Hopper que mostra fachadas de lojas iluminadas pelo sol da manhã, como principal inspiração para a rua comercial. ¿Hopper teria sido um excelente diretor de produção cenográfica¿, diz Fisk.

"Na escola de arte, eu costumava dizer coisas como 'Hopper não passa de um ilustrador', mas você aprende a apreciar sua obra. Ele simplifica imagens, e é isso que eu faço em meu trabalho. Caso a imagem seja imediatamente compreensível, a atenção do espectador não se desvia da trama".

Anderson fez a maior parte das pesquisas nos museus do petróleo em Bakersfield e Taft, Califórnia, onde descobriu copiosas fotos de campos de petróleo californianos no começo do século 20. Manuais técnicos também foram muito úteis. Fisk usou o desenho de projeto de um guindaste de madeira de 1916 para criar o guindaste do filme.

Era preciso que ele fosse firme o bastante para agüentar o peso dos carpinteiros e atores, e resistir ao vento forte. Fisk diz que, por fim, ¿o guindaste que construímos era tão forte que poderíamos ter perfurado em busca de petróleo, com ele¿.

Fisk diz que sua abordagem quanto ao trabalho, no qual ele costuma se envolver em todas as áreas, pode ser resultado da timidez e da hesitação de que sofria quando era jovem. O primeiro trabalho que ele obteve como diretor de arte em cinema, um filme de motoqueiros fora-da-lei chamado Angels Hard as They Come, em 1971, o apanhou um tanto desinformado sobre o que o cargo implicava. "Eu tinha tanto medo de não fazer tudo que era esperado de mim que terminei por fazer tudo, literalmente", conta.

Foi Lynch que indicou Fisk para seu primeiro trabalho no cinema. O cineasta, que estava estudando no American Film Institute na época, conseguiu um bico fazendo tijolos dourados de gesso para um western que estava sendo filmado em Utah. Mas o trabalho era tão chato que ele perguntou se podia convidar seu amigo Jack para substituí-lo.

Fisk e Lynch se mantiveram próximos, ao longo das décadas. Foram até cunhados (Lynch foi casado com Mary, a irmã de Fisk). Mas foi Malick, colega de Lynch na escola de cinema, que despertou o amor de Fisk pelo cinema. "Badlands", ele afirma, "foi o filme que mudou minha vida", e não só porque ele se casou com a atriz principal. "Foi a primeira vez que percebi que o cinema podia ser uma das belas artes, como a pintura ou a escultura".

Tradução de Paulo Migliacci

The New York Times

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