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Para Yuka, expulsão do Rappa foi crime, futilidade e pequenez humana

27 nov 2012 - 09h32
(atualizado às 09h57)
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"Eu não sei muito bem o que aconteceu. Só sei que sou baterista, tomei tiros, tô paraplégico e minha vida acabou". Foi assim que Marcelo Yuka, ex-baterista do grupo O Rappa, definiu como estava se sentindo em novembro de 2000, após uma tentativa de assalto que o deixou em uma cadeira de rodas. E é isso que ele mostra que não superou ao entrar no refeitório do Hotel Marabá, em São Paulo, para uma tarde de entrevistas. Após um atraso para descer do apartamento onde estava hospedado porque o enfermeiro que o acompanha tinha sumido, o músico se apresentou aos jornalistas para falar do lançamento do documentário sobre sua vida, Marcelo Yuka no Caminho das Setas, que estreia nos cinemas nacionais nesta sexta-feira (30).

Marcelo Yuka lança o documentário 'Marcelo Yuka no Caminho das Setas', de Daniela Broitman
Marcelo Yuka lança o documentário 'Marcelo Yuka no Caminho das Setas', de Daniela Broitman
Foto: Divulgação

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Um pouco descabelado, o que que ele garante não ter solução, tenta se mostrar uma figura próxima à de qualquer um ali sentado. Não quer ser o centro, não quer ser herói e não quer ser vítima. Com esse objetivo, faz pausas, respira e escolhe as palavras, não para defender seu ponto de vista, mas para mostrar que aquilo é a realidade. Mas assume que não superou a tragédia e que só o fará no dia em que passar dessa para uma melhor.
 
Nos sonhos, ainda anda. Nos ideais, diz que só olha para o futuro e que discutir o passado é como discutir um namoro ou um casamento que já terminou. Dá voltas, reafirma tudo isso e ao dizer que pouco falou sobre um dos episódios mais marcantes de sua vida no mundo midiático - a expulsão do Rappa -, solta o verbo: "eles me mandaram embora em um momento em que eu estava com sequelas. Se fosse pelo direito trabalhista, isso já seria um crime. Foi crime. Se eu tivesse pensado nisso naquele momento... Seria um absurdo. Fora isso, as questões que eles alegam são questões fúteis, de uma pequenez humana quase que sem precedentes na história da cultura brasileira".
 
Mas se não é para ser herói, nem vítima; se não é para levantar bandeira e nem atacar nada, e se o estopim para a gravação foi resolvido ainda nos primeiros meses de filmagem - a pesquisa por células-tronco e como isso melhoraria as condições de saúde no País -, para quê e por quê o filme? "Poderia ser sobre qualquer um que seria interessante, toda pessoa tem alguma poesia", ele diz.
 
Confira abaixo a entrevista completa com Marcelo Yuka:
 
Terra - Você sempre quis desmanchar essa imagem de herói que a mídia tem de você. Por isso, como foi aceitar e conviver com a ideia de um filme sobre a sua vida. Por que fazer um documentário sobre você?
Marcelo Yuka - Não só de herói, mas de vítima também. Eu aprendi que em tudo o que eu posso fazer, em qualquer relação com a mídia, tem que ter uma outra mais valia além de mim mesmo. Eu não sou uma pasta de dente, não estou a fim de botar o meu rosto e nem de me expor. Hoje em dia é muito fácil você se expor, então tem que ter um outro motivo. Expor pelo simples motivo de se mostrar, qualquer Geisy Arruda faz, e eu não acho que é interessante saber se ela fez uma plástica na vagina ou não. Tem que ter uma mais valia além de mim. Quando a Daniela (Daniela Broitman, a diretora) propôs esse filme, o Brasil estava em uma briga grande para ter pesquisa com células-tronco e a gente achou que o filme podia ajudar a solidificar essa campanha e aí eu vi um porquê. Por sorte, mais ou menos no meio do filme isso foi acertado. E aí o médico português que a gente estava pleiteando fazer uma experiência com isso, veio ao Brasil e não teve interesse nenhum em fazer comigo porque na época eu tinha 43 anos e ele fazia até 42. Além disso, na palestra que ele deu para a comunidade científica, o protocolo dele era muito fechado, você não sabia se o paciente tinha uma boa melhora pela fisioterapia ou pela cirurgia em si. Depois disso, eu achei que não tinha um filme proativo se acabasse ali, e daí a Daniela propôs continuar e eu achei que seria uma boa ideia. Mas veio o problema, porque o filme passa a ter aquela mais valia e voltar para mim. Muitas vezes eu pensei em desistir, se a gente não tivesse um contrato, o filme não teria saído. Até porque, o cinema é uma arte prepotente demais, ele manda fechar a rua e o cachorro se calar, por exemplo. Eu tive vários problemas com a tentativa de roteirizar a minha vida, porque eu sabia que não iria criar um assunto especial pra ser filmado no dia em que ela alugou o equipamento. Então no dia, se eu fosse dormir, eu ia dormir, não ia mudar nada. Não podia fazer da minha vida mais fantástica do que ela é.
 
Terra - Olhando hoje para o projeto pronto, você diria que esse filme foi feito para quê e por quê?
Yuka - As críticas que eu tenho a ele são porque eu acho que ele ainda está em volta de um personagem muito parecido não com o que eu sou, mas com o que a mídia fez. Então, essa coisa de ter uma ou várias passagens trágicas propõe a criação desse herói grego, porque para ser herói tem que ter uma tragédia. As coisas que são mais interessantes para mim no filme, não são essas coisas que as pessoas já sabem de mim, são as coisas mais corriqueiras e cotidianas. Se eu fosse fazer um filme sobre qualquer um, seria um filme interessante, porque todo mundo tem uma poesia. Tem essa coisa de "de perto todos nós somos loucos", mas também somos muito bonitos, principalmente quando a gente se desarma. Então, tem alguns momentos em que esse filme tem essa beleza do personagem cotidiano e simples, que podia ser  qualquer um.  
 
Terra - Em alguns momentos do filme, você fala para a sua mãe que ela não pode chorar nas entrevistas porque você não quer ter essa imagem de coitadinho. É uma preocupação sua?
Yuka - Quando eu topei fazer isso, topei fazer sinceramente, por isso eu não vou me esconder. A minha relação com a mídia é uma relação sincera, e muitas vezes ela não é tão positiva quanto eu gostaria, mas é sincera. Quando eu pensei em suicídio, eu dei uma entrevista falando sobre isso. Quando eu estava em depressão, eu não escondi isso de ninguém e nem fiquei sustentando papel de bom moço. Eu não posso esconder as minhas fragilidades, o Yuka até pode, mas o Marcelo não. Mas eu acho que fazer um filme sobre alguém na cadeira de rodas e que ficou assim por um ato tão violento, fazer um filme triste e choroso é cair em um lugar muito comum. E o meu cotidiano, mesmo quando eu estava super mal, era um cotidiano muito amoroso e muito bem humorado. A gente ria de tudo o que estava acontecendo, e eu sempre tive esse humor de rir de mim mesmo, isso me ajudou a passar a depressão, mas me ajudou a respirar também. Eu me lembro de estar falando com um amigo meu e pedir uma arma para cometer suicídio e ele respondeu: "pensa bem, porque você já tomou nove tiros, você não faz nada muito certo na vida, imagina se você errar e ficar retardado?". E daí eu pensei e lembrei de um tio meu que deu um tiro nele mesmo e ficou surdo, e se eu ficasse pior? A gente estava chorando e depois que falamos disso, começamos a rir. 
 
Terra - É difícil para você assistir ao filme?
Yuka - Eu não vejo. 
 
Terra - Como a sua família lida com isso?
Yuka - Eles gostaram porque o filme tem essa coisa positiva, quando a gente olha para trás e vê tudo o que passou, a gente foi sensível para não guardar rancor. É uma situação difícil, ninguém está preparado para isso, mas foi bom ver que eles não sentiram dor em rever tudo. Pelo contrário, para eles o filme é relevante de alguma forma. 
 
Terra - Como foi o processo dentro de você quando soube que os integrantes do Rappa também seriam entrevistados para o filme?
Yuka - O que é difícil para mim é que eu tive que fazer várias curvas na história. O que eu aprendi é que quando eu termino uma relação afetiva, ou quando eu tenho que fazer uma curva muito acentuada na minha história, tenho que me desfazer desse passado. O Rappa vai ser sempre uma referência na minha vida e muito do que as pessoas conhecem de mim, vem do meu trabalho ali, mas o Rappa não tem referência no meu dia a dia. Eu não me desdobro sobre as coisas do Rappa. Eu passei a tocar de novo desde 2004, mas o ano passado é que eu me dei a oportunidade de tocar músicas que eu tinha composto com o Rappa. Eu tenho vários prêmios da época do Rappa, mas eles nunca, nem na época, ocupavam a parede do meu quarto. Eu sempre olhei para frente, eu acabava um disco e já estava começando outro. Eu estou sempre procurando outro desafio, até por isso eu acho que eu não superei nada, acho que a gente só supera quando morre. Até lá, é pedreira. Se eu estivesse em pé, seriam outros desafios, talvez não tão difíceis quanto carregar a dor física e a imobilidade, mas estaria com vários, principalmente com os projetos sociais. Então, foi incômodo passar por isso, é como se estivesse discutindo uma relação com uma ex-mulher: só é bom para o público. É a vida que segue. É lógico que tem coisas que me doeram e que me marcaram, eles me mandaram embora em um momento em que eu estava com sequelas. Se fosse pelo direito trabalhista, isso já seria um crime. Foi crime. Se eu tivesse pensado nisso naquele momento... Seria um absurdo. Fora isso, as questões que eles alegam são questões fúteis, de uma pequenez humana quase que sem precedentes na história da cultura brasileira. Mas, isso são eles que estão dizendo. Eu pouco falo ali. A questão dos direitos autorais sobre eu ter 50% e o resto do grupo dividir o restante segue igual porque é a lei, não sou eu que estou mudando nada.
 
Fonte: Terra
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