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"Passei fome, dormi na rua", brinca diretor de animação nacional

Otto Guerra, diretor do longa 'Até que a Sbórnia nos Separe', falou em Gramado sobre a atual produção nacional

15 ago 2013 - 17h49
(atualizado às 18h04)
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Equipe de Até Que a Esbórnia nos Separe durante entrevista coletiva em Gramado
Equipe de Até Que a Esbórnia nos Separe durante entrevista coletiva em Gramado
Foto: Itamar Aguiar/PressPhoto / Divulgação

O mercado de animação vive um momento sem precedentes em sua história no Brasil. Antes um gênero relegado a alguns poucos curtas produzidos à base de paciência, suor e falta de investimentos, hoje ele possui estrutura para lançar longas-metragens com ampla divulgação e qualidade semelhante à internacional, como foi o caso do épico recente Uma História de Amor e Fúria, de Luiz Bolognesi. E o gaúcho Otto Guerra, diretor de Rocky & Hudson (1994) e Wood & Stock: Sexo, Orégano e Rock’n’Roll (2006), pode ser considerado um dos grandes protagonistas dessa virada dos desenhos nacionais.

Ainda falta muito para chegar ao patamar de produtoras norte-americanas e japonesas, mas, se comparado a poucos anos atrás, o nicho conseguiu dar uma guinada incrível na última década. "Até há pouco, eu desaconselhava as pessoas a fazerem animações. Passei fome, morei na rua", brincou, na tarde desta quinta-feira (15), o diretor, durante o debate de seu terceiro longa do gênero, o divertido Até que a Sbórnia nos Separe, exibido publicamente pela primeira vez na noite de quarta (14), no Festival de Cinema de Gramado, como parte da competição de Longas Nacionais da 41ª edição do evento.

"Acho que estamos em um momento de construção da animação brasileira. Mas está crescendo muito, A (mostra competitiva voltada para o gênero) Anima Mundi, por exemplo, teve mais de 500 animações inscritas, entre curtas e longas. É um momento de alta que parece não ter volta", avaliou ele, desde 1978 dedicado à empresa Otto Desenhos Animados, produtora de, além de seus longas, dos curtas que fez ao longo dos anose quase uma dezena de curtas produzidos desde a década de 1980. "Vejo uma chance concreta de, daqui a 20, 30 anos, termos uma indústria, de o mercado conseguir se sustentar sozinho."

Livremente inspirado na peça Tangos e Tragédias, escrita pelos músicos Hique Gomez e Nico Nicolaiewsky, Até que a Sbórnia nos Separe acompanha a vida de uma isolada cidadezinha chamada Sbórnia, caracterizada por hábitos excêntricos em todos os âmbitos - esporte, música, relacionamentos - e por possuir uma planta única com efeitos quase alucinógenos. Separada do mundo moderno por uma enorme muralha, no entanto, ela vê seu cotidiano mudar bruscamente quando é invadida por um empresário com ganância de lucrar com seus bens naturais.

A ação, focada em dois amigos músicos e narrada pelo filho de um deles, se desenvolve de forma tresloucada, escancarando as diferenças óbvias entre os cidadãos daquela curiosa ilha e do continente e as mudanças nos hábitos dos sbornianos com a chegada dos hábitos modernos. É uma clara referência e cítica à forma como os países desenvolvidos influenciam por meio de imposições a vida das pessoas de locais ditos "atrasados". 

"A gente sempre trabalhou com aquilo com o que nos identificávamos. Fazíamos filmes para nós mesmos, para nos satisfazermos, filmes nos quais acreditávamos. Claro, hoje temos uma realidade mercadológica, produzimos tudo com dinheiro público e precisamos ao menos recuperar os R$ 4 milhões investidos, mas eu mantenho minha pretensão de fazer o que gosto, apesar dessa expectativa grande de recuperar o que foi gasto", afirmou Guerra.

Naturalmente, nem com os investimentos fazer animação deixou de ser complicado. Até que a Sbórnia nos Separe contou com uma gigantesca equipe de desenhistas e animadores que levou oito anos para concluí-lo. Além da série de jovens apaixonados pelo gênero - "que tinha 18 anos quando iniciaram o projeto e hoje têm mais de 40", brincou o diretor -, o longa contou com elenco estrelado pelos músicos André Abujamra e Fernanda Takai, além da importante co-direção de Ennio Torresan Jr, animador dos estúdios Dream Works cujo trabalho foi essencial para se chegar à qualidade pretendida por Guerra.

Cena de 'Até que a Sbórnia nos Separe'
Cena de 'Até que a Sbórnia nos Separe'
Foto: Divulgação

As dificuldades, além da própria técnica arrastada tão inerente ao gênero, ainda são muitas. Mas, para o diretor, a principal delas é a falta de tradição do Brasil no nicho, algo que há décadas artistas, especialmente do Rio Grande do Sul, se dedicam a construir. "É muito difícil por causa disso. O Enzo trouxe uma nova técnica para nós, de uma pré-produção, que eu sequer conhecia, mas que os EUA faziam desde os anos 1930", exemplificou Guerra. "Além disso, temos a dificuldade do roteiro, porque o Brasil tem um sério problema com a falta de roteiristas e de bons roteiristas. Quem sabe isso melhore com esse amontoado de séries que estão surgindo por aí."

Nem bem lançou seu terceiro longa, o diretor já prepara uma quarta empreitada, desta vez voltando às raízes dos quadrinhos, gênero em que desenvolveu o amor pelo desenho ainda na infância. Depois de Wood & Stock, baseado nas tirinhas de Angeli, Guerra passou a se dedicar à obra do outro artista protagonista de Los 3 Amigos, Laerte. E, mais uma vez, não está nada fácil.

"Estou trabalhando na adaptação do Piratas do Tietê, mas o autor parou de gostar daqueles personagens, virou um cross-dresser, é outra pessoa", se divertiu Guerra, lembrando da primeira vez que se encontrou com Laerte usando cabelos longos, vestidos femininos e batom. "Assim, estamos procurando uma forma de focar a animação no (personagem) Hugo, que é meio um espelho do Laerte, se depila, se veste de mulher e vai ser inserido nesse universo dos piratas. Mas, por causa disso, tivemos que mudar toda a história e estamos quase apanhando dos roteiristas", gargalhou.

Subversivo, divertido, Até que a Sbórnia nos Separe tem previsão para chegar às salas de cinema do Rio Grande do Sul no dia 6 de dezembro, com cópias já convertidas para o 3D. Posteriormente, o longa deve entrar em circuito nacional, mas ainda não há uma data definida.

Fonte: Terra
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