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Personagens são a razão de ser de "Um Fim de Semana em Paris"

1 abr 2015 - 16h14
(atualizado às 16h14)
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"Nós sempre teremos Paris", diz o personagem de Humphrey Bogart a Ingrid Bergman em "Casablanca". Os ingleses Nick (Jim Broadbent) e Meg (Lindsay Duncan) estão casados há algumas décadas e esperam que uma viagem à capital da França possa servir não apenas como comemoração do aniversário de casamento como também consertar algumas diferenças que os perturbam.

Vista geral do rio Sena e da torre Eiffel em Paris, na França. 23/03/2015
Vista geral do rio Sena e da torre Eiffel em Paris, na França. 23/03/2015
Foto: Philippe Wojazer / Reuters

O tom de "Um Fim de Semana em Paris" transita, assim, entre a melancolia e o joie de vivre, para usar uma expressão que caberia ao cenário do longa, que marca a terceira parceira entre o diretor Roger Michell (“Um Lugar Chamado Notting Hill”) e o escritor inglês Hanif Kureishi (“Intimidade”) – que já trabalharam juntos em “Recomeçar” e “Vênus”.

Paris, para o casal, é levar para longe as perturbações: a carreira acadêmica de Nick, que acabou de forma, aparentemente, não muito agradável, um filho adulto problemático, entre outras coisas.

A cidade, no entanto, não é barata e o casal talvez não possa se entregar a todos os luxos que deseja. Quando chegam, ela logo desdenha o hotel, e o abandona em busca de algo muito mais confortável, um pouco mais luxuoso e, claro, bem mais caro. A extravagância não cabe nas contas do casal – mas, enfim, aquela sonhada reforma do banheiro pode ser adiada.

As primeiras cenas já estabelecem a dinâmica entre a dupla, a calma de Nick – que, às vezes, beira a passividade – e a agitação e o espírito mandão dela, que sempre toma a dianteira das situações. Aos poucos, a viagem mais parece testemunhar a desintegração final da união entre eles do que a celebração das mais de três décadas de casamento.

A cidade parece induzir, ou, ao menos, permitir comportamentos excêntricos, como a ideia de que qualquer um pode ser um filósofo num café, ou revolucionário nas ruas. É nesse ambiente que Nick e Meg se tornam mais honestos um com o outro. Boa parte do filme conta apenas com o casal em cena e, sem ter com quem dividir ideias e aflições, as diferenças entre eles afloram. Ainda assim, sobram coisas a serem ditas, que se acumulam, mas, mais cedo ou mais tarde, precisarão ser externadas.

Nesse ambiente, algo do espírito sonhador dos anos de 1960 aflora nos personagens. Referências ao cinema de Jean-Luc Godard – mais aos personagens e situações do que à forma – vêm à tona, ao longo do filme, especialmente “Bando à Parte”, em sua anarquia melancólica e suavemente cômica.

Meg e Nick são crias daquela década, pessoas que esperavam um mundo melhor e se acomodaram na zona de conforto da classe média. Essa suada ida a Paris joga na sua cara que deixaram para trás seus ideais e sonhos de um mundo melhor.

Nick se autodescreve como um “anarquista de esquerda”. Lidar com dinheiro sempre o deixa desconfortável, cabendo não apenas a Meg cuidar das finanças como um consumo desenfreado que, dadas as circunstâncias monetárias do casal, chega a ser um ato impensado de rebeldia.

Ao encontrar, por acaso, com Morgan (Jeff Goldblum), Nick só se sente mais culpado. Colega de juventude quando eram estudantes em Cambridge, seguiram caminhos praticamente opostos. O sujeito é jovial, rico e bem-sucedido, prestes a lançar um novo livro e a ter um filho com sua mulher mais jovem.

A dupla Michell e Kureishi parece construir personagens antes da ação em seus filmes. E é partir das evoluções e desdobramentos dessas figuras que a trama se desenha - eles conduzem a narrativa, não o contrário. Assim, a dupla cria gente de verdade, de carne e osso, que respira, acorda, dorme, sua e tudo mais.

(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)

* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb

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