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"Sou fascinado na possibilidade do além da vida", diz diretor de 'Biutiful'

20 jan 2011 - 14h29
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Alejandro González Iñárritu tem predisposição para o desastre nosso de cada dia. Seus filmes mais conhecidos, Amores Brutos, 21 Gramas e Babel, sofrem de várias epidemias sociais: solidão, incompreensão, marginalização. Costumava lidar com esses fenômenos em tramas do tipo colcha de retalhos, unindo peças a princípio distintas em uma só história. Em Biutiful, agora sem o roteirista Guillermo Arriaga responsável por essa estrutura de contos paralelos, Iñárritu se concentra em um só homem, interpretado por Javier Bardem. Em conversa exclusiva com o Terra, o diretor, primeiro mexicano indicado ao Oscar de Melhor Diretor (por Babel) falou sobre o processo de concepção do filme que foi indicado ao Globo de Ouro este ano como Melhor Filme Estrangeiro e possivelmente chegará ao Oscar na mesma categoria; e contou ainda ser fascinado na possibilidade do além da vida. Confira.

» 'Biutiful', com Javier Bardem, expõe a angústia da morte

Você costuma trabalhar com vários personagens que costuram uma só história. Agora lida com um só personagem que costura várias histórias. Do ponto de vista do roteiro, é mais fácil ou mais difícil lidar com um só condutor?

Acho que cada estrutura, cada narrativa de desafia de uma maneira diferente. Elas são bem distintas. Achei que uma narrativa linear te desafia muito mais com uma lucidez disciplinar. No sentido que não tem como você esconder nada. O filme com uma estrutura linear funciona de uma forma que não dá pra esconder algumas coisas, não dá para disfarçar como em filmes de tramas paralelas. Aqui é como um copo d'água, é puro, você precisa ser muito rigoroso com sua narrativa e seu personagem.

A trama se passa em Barcelona, uma cidade hoje conhecida por seus cartões-postais. Foi intencional localizar esse drama numa cidade cujos problemas estão escondidos por trás de folders turísticos?

Não estava interessado na cidade de Barcelona, por assim dizer. Estava mais interessado no fenômeno dos imigrantes que é basicamente o mesmo em cada cidade europeia, com os senagalases, comunidades africanas, chinesas. Acho que Barcelona é um exemplo de como uma cidade tão bonita tem basicamente os mesmos problemas que Paris, Berlim, Londres. A ideia era usar esse contexto pra falar mais do fenômeno que da cidade apenas.

O filme lida com espiritismo. Você tem crenças?

Me considero muito mais espiritualizado do que religioso. Sou fascinado, de uma maneira mais intelectual, na possibilidade de existência além da vida. E de que somos muito mais do que carne e osso. Sou fascinado com essa discussão.

Mas você acredita em vida após a morte?

Às vezes acredito, às vezes não. Essa é um contínuo questionamento intelectual e espiritual que tenho comigo mesmo. Há coisas que me fazem realmente acreditar, há pessoas com quem conversei, porque tive que fazer pesquisa, que me impressionaram. Então, não sei dizer. Mas ninguém ainda voltou de lá para me contar.

Há um momento no filme em que Marambra fala pra Uxbal olhar pro céu porque há muitas estrelas pra se ver. E depois de tudo que ela fez no dia, ele olha pra ela e diz: "Meu amor, o que você vê não são estrelas, é o seu sistema nervoso". É uma forma de mostrar como ele está preocupado com problemas cotidianos enquanto ela não consegue olhar pra baixo?

Acho que a relação entre os dois que eu quis retratar é de um amor quebrado. Não porque o amor falhou, mas porque uma doença mental como a bipolaridade é simplesmente insuportável, você não consegue lidar com esse tipo de comportamento. Acho que neste caso estava mais interessado na analogia dela pensando em estrelas e em finais enquanto ele pensa nos problemas reais. E que os dois vivem em territórios completamente diferentes.

Todos os seus filmes são construídos em cima do personagem. Uma vez que você tem o personagem, o que vem primeiro no roteiro: o começo ou o fim?

Neste caso foi o começo. Foi como fazer a história desse cara que precisa lidar com os últimos dias de sua vida.Há o fato de que o começo dele é também o seu final, porque ele dá início à história ciente de que vai morrer.

Pois é, nessa jornada do ponto de vista de um homem a estrutura é circular. Ela começa onde termina e termina onde começa. E eu gosto disso. Mas o desenvolvimento da história partiu mesmo do personagem e aos poucos fui criando os demais elementos que iam guiar a narrativa.

Javier Bardem interferiu no roteiro em algum momento?

Não, ele foi muito respeitoso com o roteiro, até porque gostou bastante dele. Agora, claro, como grande ator que ele é, ele se deu ao filme fisicamente e espiritualmente. Ele deu realidade e peso ao personagem e, naturalmente, fez comentários sempre muito bem-vindos sobre coisas que sempre nos ajudam a melhorar o roteiro.

Certa vez você disse que explicar um filme é como um mágico tentando explicar sua mágica, perde força. Como você se sente tendo que mais uma vez promover um trabalho seu e elaborando ideias para um filme que já está terminado?

É muito difícil, porque tenho que sintetizar coisas que me tomaram quatro anos para juntar. E aí você precisa reduzir isso a algumas poucas palavras e pensamentos. Minimiza e tudo que eu disser pode machucar o filme, não intencionalmente. Mas ter que se explicar em curtos espaços de tempo, às vezes é como se você estivesse traindo o seu próprio trabalho, que certamente é muito mais complexo do que qualquer coisa que eu vá falar.

O que vem agora depois de Biutiful?

Pra falar a verdade não sei ainda. Preciso me esvaziar primeiro. Digamos que eu precise agora parar de comer para que possa sentir fome de novo.

Alejandro González Iñarritu, diretor de 'Biutiful'
Alejandro González Iñarritu, diretor de 'Biutiful'
Foto: Getty Images
Fonte: Redação Terra
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