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Suicídios de ex-combatentes inspiraram 'A Oeste do Fim do Mundo', diz diretor

16 ago 2013 - 20h23
(atualizado às 21h24)
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Quando o diretor Paulo Nascimento descobriu um levantamento segundo o qual cerca de 400 ex-combatentes argentinos da infame Guerra das Malvinas haviam cometido suicídio, ele imediatamente soube que precisava fazer um filme sobre essas pessoas. O cineasta conversou com a imprensa em debate realizado no início da tarde desta sexta-feira (16) sobre A Oeste do Fim do Mundo, co-produção Brasil/Argentina, exibida na noite anterior, que concorre ao Kikito de Melhor Longa-Metragem Estrangeiro no 41º Festival de Cinema de Gramado.

"Quando eu tinha uns 17, 18 anos, entrei na neurose de que o Brasil entraria naquela guerra e passei dois meses olhando os jornais achando que seria mandado para lá", contou Nascimento, que antes do filme rodou a Argentina à procura de personagens para a minissérie televisiva Fim do Mundo, exibida pela TV RBS, ponto de partida para o longa. "Comecei a pesquisar e descobri que em comum entre esses ex-combatentes havia a solidão. Então quis fazer um trabalho sobre a ruptura disso, sobre a volta por cima dessas pessoas após anos de sofrimento."

Rodado na Patagônia Argentina, localidade isolada no extremo sul do país, A Oeste do Fim do Mundo mostra a história de Leon (interpretado pelo talentoso uruguaio Cesar Troncoso), soldado reformado do exército nacional que se mudou sozinho para a região, deixando para trás o filho ainda criança devido aos traumas carregados pela guerra. Lá, ele cuida, em meio ao deserto, de um posto de gasolina onde raramente passam clientes, recebendo com frequência somente as visitas diárias do amigo Silas, um brasileiro que, assim como o protagonista, migrou para a região para evitar os fantasmas do passado.

"Quando estávamos entrevistando os ex-combatentes, conhecemos um sujeito que nos contou sua história por uma hora e, no fim, todo mundo estava chorando. Aquele sujeito foi a grande inspiração para o Leon", contou Nascimento. "Então não sei se me vejo como documentarista ou como diretor de ficção, porque quase tudo o que está no filme é de coisas que ou eu vi ou ouvi."

No drama, o cenário ganha força ao fornecer boa parte da caracterização dos personagens centrais, que nada mais querem da vida além do silêncio e da liberdade. Leon, pai que não consegue sequer conversar com o filho, passa os dias em seu posto, sentado, comendo, bebendo vinho e mate e fumando cigarros. Silas, da mesma forma, não possui grandes objetivos, e mesmo seus encontros com o grande amigo são marcados pelo silêncio dessas pessoas que se sentem absolutamente confortáveis em não se abrir umas com as outras.

"Eu sempre acredito que o lugar é o personagem de qualquer filme. Vem da influência da minha infância, quando eu assistia a muitos bang-bang, com aqueles planos de ambientes fantásticos", explicou o diretor sobre seu quinto longa. "Na Cordilheira e na Patagônia está cheio de gente que não fala da vida, que se muda para lá para se resolver consigo mesmo. E não existe nenhum lugar na América Latina que possua essa relação entre solidão e liberdade."

<p>A atriz Fernanda Moro faz parte do elenco do longa-metragem</p>
A atriz Fernanda Moro faz parte do elenco do longa-metragem
Foto: Itamar Aguiar/PressPhoto

A ruptura de Leon começa quando Ana (Fernanda Moro), uma jovem brasileira também com uma pesada bagagem de sofrimento nas costas, vai parar no pequeno estabelecimento do protagonista. Aos poucos, a relação inicialmente fria vai ganhando força e fornecendo o calor humano necessário para que ambos consigam recuperar o prazer de viver. E Silas acaba sendo de grande importância para derrubar as barreiras que os impedem de se relacionar.

"Ele está dentro da narrativa como uma espécie de anjo, um sujeito que vem do nada e volta para o nada. É uma figura meio onírica, que entra no filme meio que para unir aquelas duas pessoas", destacou o ator Nelson Diniz, que dá vida ao misterioso mecânico de motos, sujeito sarcástico, porém também fechado, sempre caracterizado com uma pesada jaqueta de couro. "Eu fiquei 20 dias lá rodando de moto igual ao personagem. O ambiente nos deu muito isso de concentração, porque não havia nada para fazer lá fora o filme, não existia dispersão. E isso nos ajudou muito. Foi um ambiente que nos deu muitos elementos de construção para os personagens."

Para além de suas paisagens, A Oeste do Fim do Mundo tem em sua beleza a forma como mostra a capacidade das relações humanas de conseguir, através da empatia, livrar as pessoas de seus maiores traumas. Com poucos diálogos, o longa se embasa mais nos gestos para mostrar o que pretende, se concentrando no único cenário do isolado posto de gasolina para ambientá-los.

"O grande barato dessa economia de detalhes é que possibilita às pessoas diversas interpretações. E esse é um temor que eu tinha. Ontem (quinta), quando terminou a exibição do filme, eu não tinha certeza se todos tinham entendido. Mas acho que foi possível captar a mensagem", disse o diretor.

Nascimento ainda enfatizou o trauma de Juan Carlos, o sujeito que não só inspirou o personagem Leon, como acabou emprestando frases inteiras ao longa, bem como objetos de suas memórias das Malvinas, os quais sua mulher insistiu em entregar ao diretor a fim de apagar os maiores símbolos de seu passado obscuro.

"Ele foi enganado. Foi mandado para a guerra como se fosse um exercício militar e, somente quando avistou a ilha, lhe disseram que eram as Malvinas. Ele nunca havia pego em uma arma e, de repente, assim como tantos outros jovens como ele, se viu em uma guerra contra a Inglaterra, com total despreparo", concluiu.

Fonte: Terra
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