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"Versos de um Crime" destaca o homem por trás da geração beat

11 jun 2014 - 17h26
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Certa vez, o poeta Allen Ginsberg disse que “Lou was the glue”, referindo-se a Lucien Carr, o tal “cola” dos escritores e poetas da geração beat. É justamente sob os olhos do autor de “Uivo” que o público de “Versos de um Crime” (2013) irá conhecer o responsável por apresentá-lo ao jovem William S. Burroughs, futuro autor de “Almoço Nu”, e levar ambos a conhecerem o promissor Jack Kerouac, antes do icônico romance “Na Estrada”.

O longa-metragem de estreia de John Krokidas na direção é uma espécie de “prequel” do movimento literário que desencadearia o fenômeno da contracultura entre meados da década de 1950 e início dos anos 1960. Isso porque o foco da produção são os tempos em que Lucien Carr (Dane DeHaan) e seus três amigos frequentavam a Universidade de Columbia, em 1944, encontrando uns nos outros a mesma ânsia por liberdade. Já naquela época, eles defendiam não só uma escrita mais livre – vide a cena em que Allen Ginsberg (Daniel Radcliffe, o ex- Harry Potter) discute com seu professor sobre a ditadura das rimas na poesia –, mas a transgressão de todas as regras impostas pela sociedade austera daquele período.

Ginsberg, que saiu da rotina caseira e tumultuada que compartilhava com o pai Louis (David Cross, que havia interpretado o próprio Allen em “Não Estou Lá”, de 2007), também poeta, e a mãe com problemas mentais, Naomi (Jennifer Jason Leigh), encanta-se com a nova vida apresentada a ele pelo carismático Lucien. O colega de faculdade lhe mostra, por exemplo, a poesia de W. B. Yeats, especialmente com suas ideias cíclicas de “Uma Visão”, que serviria de inspiração para o quarteto de amigos criarem o manifesto “Nova Visão”, base do movimento beat.

Junto com o contido e “junkie” Burroughs (Ben Foster) e o expansivo e beberrão Kerouac (Jack Huston), Carr também o introduz na filosofia de sexo, drogas e... jazz. Lembre-se que este era o gênero musical mais revolucionário da época e o rock ’n’ roll ainda não existia. Porém, isso não impediu a seleção de canções de bandas de rock recentes, como Dane DeHaan, Bloc Party e The Libertiines, na trilha sonora do filme, em uma liberdade artística interessante de Krokidas, mas que soa incompleta.

O diretor, que assina o roteiro com o iniciante Austin Bunn, falha ao não desenvolver mais as figuras de Burroughs e Kerouac, limitando-os a estereótipos. Consequentemente, a onipresente – especialmente nos lançamentos dos últimos meses – Elizabeth Olsen faz quase uma ponta no longa como Edie Parker, a então namorada de Jack. O retrato dos outros dois “beats” oferece ao menos mais nuances aos seus intérpretes, favorecidos pelos primeiros planos da fotografia de Reed Morano.

Se Ginsberg remete, logo de início, o espectador ao passado de seu intérprete como Harry Potter por causa do figurino e dos óculos, Daniel Radcliffe consegue afastar o fantasma do bruxo de Hogwarts no decorrer do filme como o jovem que descobre o mundo e a si próprio; enquanto Dane DeHaan rouba a cena com a complexidade que imprime ao dúbio Carr, ardiloso, frágil e cativante ao mesmo tempo.

Apesar das irregularidades, Krokidas faz uma corajosa homenagem ao trabalho desses escritores ao tentar contaminar sua obra com a liberdade poética “beat”. Isso começa com o fato de que a relação e as ideias deles se sobrepõem ao próprio argumento do longa, que é a primeira tragédia que marcou essa geração – a segunda foi o assassinato acidental de Joan Vollmer Burroughs, esposa de William, morta com o tiro do próprio marido, como mostrado em “Beat” (2000). A delicada relação entre Carr e seu guardião e companheiro, David Kammerer (Michael C. Hall), um homem mais velho que o ajuda e persegue há anos, que fica mais abalada com a aproximação de Allen e Lucien, é apresentada de modo circular, mais para referenciar algumas de suas influências do que um mero recurso narrativo.

Deste modo, tudo é utilizado com o intuito de aprofundar e homenagear o poeta e os romancistas: desde o inteligente grafismo com as linhas do metrô junto ao som do trem, que destaca os principais locais que eles frequentavam, até as sequências de edição rápida, que emanam o espírito livre dos artistas. O melhor exemplo é aquela na qual é feita uma ode ao processo criativo da escrita, embalada ao som de jazz e do efeito de entorpecentes, atalhos que eles não temiam percorrer.

Mas, para além dessa busca pelo passado da geração “beat”, “Versos de um Crime” leva, inevitavelmente, o espectador a refletir nas escolhas e ações que determinam o rumo da vida de uma pessoa. O homem que era o mais louco do quarteto transgressor, Carr, preferiu a vida simples de jornalista que começou após os desdobramentos da tragédia de 1944, e que continuou até a sua morte, em 2005. É certo que ele nunca escreveu algo nos moldes dos “beats” e, mesmo mantendo contato com eles, impediu que o citassem em seus livros, até em dedicatórias, a fim de evitar a lembrança do que ocorreu.

Mas, ao ver as fotos dos quatro amigos juntos nos créditos finais, é difícil não pensar que Lucien Carr, que participou da gênese do movimento, não teve obteve a mesma fama dos colegas. Talvez esse filme não lhe dê a honra de marcar seu nome na história, mas não o deixará passar despercebido.

(Por Nayara Reynaud, do Cineweb)

* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb

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