#MeChamaDeBruna: Confira nossas primeiras impressões sobre a série da Bruna Surfistinha
Um retrato cru, sem glamour, dos primeiros dias de Raquel Pacheco como garota de programa.
Bruna Surfistinha, o filme estrelado por Deborah Secco em 2011, foi um grande sucesso. Foram mais de 2 milhões de espectadores nos cinemas e bons números de audiência em suas exibições televisivas. Apesar da visibilidade, Marcus Baldini nunca explorou a complexidade da personagem biografada no livro "O Doce Veneno do Escorpião", investindo em caricaturas e marcando a transformação da jovem bem nascida com respostas óbvias, sem margem para provocação. Ou seja: não conhecemos a verdadeira história de Raquel Pacheco. Ainda não.
O antes e depois da Bruna Surfistinha de Baldini.
#MeChamaDeBruna reconhece esses problemas de abordagem no filme de Baldini, e investe em representatividade. Dirigido por Marcia Faria (que adentrou o universo da prostituição em Oscar Freire 279) e estrelado por uma jovem feminista, Maria Bopp, a série da FOX+ Premium não se furta de exibir nudez e uma atriz linda em seu primeiro episódio, por exemplo. Porém, é nítida a ausência de erotismo da obra, que logo se revela um tratamento intimista, dramático e um tanto sombrio, aprofundando a personagem.
Quem é Raquel?
A primeira cena de sexo de #MeChamaDeBruna é sintomática: em vez da sensualidade da luz vermelha, expressões de prazer acentuadas em slow-motion ou uma câmera voyeur devorando o corpo perfeito de sua atriz global, a jovem Raquel tira a roupa sem jeito, na penumbra de um quarto simples com a palidez de seu rosto moreno claro sem maquiagem. Seu jovem corpo feminino também não tem contraponto com o de seu cliente, mais velho, como acontece recorrentemente em Bruna Surfistinha. A rudez do homem é dramatizada, no trato tosco que ele tem com a garota de programa novata.
Raquel? Bruna??
Um plano plongê enfoca Raquel em ângulo de 90º de cima pra baixo. Seu rosto denota desconforto, sim, mas principalmente dúvida. No lugar de respostas, a cena suscita toda sorte de questionamentos. "No que ela estará pensando?" O corpo dela, ali; sua mente, em outro lugar. Assim, uma sequência tão crua se torna bonita, além de muito relevante, ilustrando uma total desconexão entre prostituição e prazer. Tampouco a expressão de Raquel, somada ao que já conhecemos da personagem até então, denota uma rebeldia boba que justifique o seu lugar ali. Eis um grande trunfo da série.
Impenetrável
Raquel é muito dúbia. Quando pede um emprego no privê de Stella (Carla Ribas) e se põe a dançar diante dela, Georgette (Stella Rabello) e um peão de obra, Raquel demonstra personalidade. Mas ela não leva muito jeito pra coisa. (E aqui temos uma das cenas de strip-tease menos glamourizadas da história do audiovisual.) Nesses detalhes, diversos, se estrutura uma dualidade entre determinação e insegurança que será concretizada na adoção de um pseudônimo: "Me chama de Bruna".
Raquel faz strip-tease para entrar no privê de Stella
A história de Bruna e Raquel não terá, certamente, a riqueza narrativa de Walter White e Heisenberg. (Inclusive porque, esteticamente, a produção é alinhada com a pouca inventividade de seus pares nacionais). Porém, é interessante observar uma série brasileira ciente da dinâmica ambígua de sua personagem e proposta a desenvolvê-la com o devido grau de profundidade. Esse primeiro episódio também indica que levantará questões sobre a prostituição, seu entorno (a ilegalidade da profissão, corrupção policial, consumo de drogas etc), investigará a vida pessoal das garotas de programa e os reais dramas e motivações de Raquel Pacheco.
Assim, #MeChamaDeBruna justifica sua realização e já se mostra, em termos de relevância, bem superior ao sucesso de bilheteria Bruna Surfistinha.