61º Festival de Cannes

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61º Festival de Cannes

Segunda, 19 de maio de 2008, 16h30 Atualizada às 16h32

Filme de Nachtergaele mergulha num Brasil distante e místico

Orlando Margarido
Direto de Cannes

Ainda não é o tapete vermelho oficial da competição, mas Matheus Nachtergaele começa com um pé direito louvável sua carreira de diretor de cinema. Na quarta-feira, acontece em Cannes a exibição de A Festa da Menina Morta dentro da seleção Un Certain Regard, dedicada a novos realizadores. O primeiro filme do ator na direção, sobre a devoção sincrética de uma comunidade a uma peça de roupa pertencente à garota do título, lhe dará sim a experiência de subir uma escadaria similar ao tapete vermelho.

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Apesar disso, para ele, o convite do festival tenha outro significado além de glamour. "Trabalhamos muito para estar aqui, principalmente a produtora Vânia Catani", diz Matheus, que chegou ontem a Cannes junto com parte do elenco.

"Não vou dizer que não pressentia algo sobre esse convite, pois sabíamos que muita gente ligada a Cannes teve acesso ao roteiro e mostrou interesse; como não vinha uma negativa por parte do festival quando enviamos o filme, então havia uma chance e até apressamos a finalização para não correr riscos", explica.

A escolha do filme para a atual edição do festival é ainda mais feliz ao ator porque coincide com a presença do cineasta Walter Salles, que concorre à Palma de Ouro por Linha de Passe, em parceria com Daniela Thomas. Matheus atuou em Central do Brasil e O Primeiro Dia, ambos projetos de Salles de 1998.

"É um dos diretores que me motivou a pensar em dirigir, assim como Cláudio Assis (Amarelo Manga e Baixio das Bestas)". Mas foi durante seu trabalho em Auto da Compadecida, entre 1999 e 2000, dirigido por Guel Arraes, que Matheus encontrou o material que imediatamente lhe pareceu cinematográfico.

"Num intervalo das filmagens em Cabaceiras, na Paraíba, fomos para um forró, que logo descobrimos tratar-se de uma festa religiosa. Enquanto as pessoas rezavam numa pequena igreja para um vestido rasgado, único vestígio achado de uma menina morta em mistério, outras se divertiam nas barracas e dançavam, numa espécie de celebração pagã", conta.

Essa situação, diz o ator, o enfureceu e surgiu a vontade de abordá-la num filme. "Fui tomado imediatamente por uma raiva e uma angústia enormes. Queria mostrar o absurdo de pessoas rezarem por uma peça de roupa e acreditarem num milagre a partir disso, essa fé muito estranha que um pedaço do Brasil cultiva".

Ator também de teatro, onde já foi dirigido por diretores de prestígio como Antônio Araújo e Cibele Forjaz, Matheus pensou de imediato na linguagem cinematográfica para sua história. Até então, seus trabalhos como diretor contemplavam apenas espetáculos de dança.

"Embora o teatro tenha a questão do ritual que combinaria com o tema, o cinema tem a pulsação e o formato visceral que acho necessário para a história".

Ele fez sozinho duas versões para o roteiro da trama que se passa em dois dias. Depois, as versões cresceram para cinco com a entrada de Hilton Lacerda, roteirista de Cláudio Assis e também diretor, com quem Matheus divide o crédito.

"Mas não queria reproduzir a seita que conheci na Paraíba e alterei muita coisa; queria principalmente que a história incluísse a tradição indígena".

O primeiro empurrão financeiro para o filme veio do Hubert Bals Fund, fundo holandês de incentivo a novos diretores ligado ao Festival de Cinema de Rotterdam. Faltava então o cenário ideal. Inicialmente, o diretor novato imaginou algum vilarejo escondido de Minas Gerais, mas outro filme em que atuou, Eclipse, do austríaco Herbert Brödl, o levou a conhecer o interior da Amazônia em 2002.

Ao descobrir a pequena Barcelos, a 400km de Manaus, no alto do rio Negro, Matheus enxergou a locação perfeita para a fita, que foi rodada ali durante seis semanas em total entrosamento com a comunidade, inclusive indígena.

"Lá é natural a convivência de credos e religiões, o catolicismo, o candomblé e a pajelança, que ainda existe e faz parte do cotidiano dos moradores". Um dos personagens principais da fita, inclusive, é o pajé Papaguara, um dos habitantes que interpretaram a si mesmos depois de um acompanhamento de um mês do próprio diretor.

O elenco profissional é liderado por Daniel de Oliveira, que vive Santinho, irmão da garota morta e o único a desconfiar da lenda que se formou em torno dela. Além dele atuam Juliano Cazarré, Jackson Antunes, Paulo José, Dira Paes e Cássia Kiss.

Cannes vai conhecer nesta terça, em primeira mão, a face de um novo diretor. A de intérprete de novelas, pelo menos, já foi reconhecida por brasileiros na Croisette. Matheus distribuiu até autógrafos, a exemplo do que os astros costumam fazer por aqui.

Especial para Terra

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