Orlando Margarido
Direto de Cannes
Foi a sessão mais concorrida na competição de Cannes até agora. Meia hora antes do início da sessão de The Exchange (Changeling), novo filme de Clint Eastwood - dessa vez só por trás das câmeras - os quatro mil lugares do Grand Thréâtre Lumière já estavam ocupados pelos jornalistas. Ao final, aplausos e gritos de "bravo" não só para o crédito de direção, mas também para o de Angelina Jolie, em atuação superior aos seus trabalhos.
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Angelina voltou a Croisette, depois de ter divulgado a animação Kung Fu Panda, a qual empresta sua voz. Ela interpreta a mãe que em 1928 luta para saber o paradeiro do filho desaparecido, em meio à corrupção generalizada na polícia de Los Angeles. A troca a que se refere o título original (The Exchange) diz respeito a um menino encontrado que a força policial impõe a Christine, a mãe desesperada, como sendo seu filho.
Ela o renega e acaba criando um embate que mexe com outras instituições repressoras, a exemplo de um manicômio. A situação real deu chance a Eastwood prosseguir com sua espécie de inventário da ética e moral americanas sob o ponto de vista de uma tragédia, a morte dolorida de um filho em Sobre Meninos e Lobos, o preço caro de uma obsessão em Menina de Ouro ou a guerra no díptico A Conquista da Honra e Cartas de Iwo Jima.
Em relação a esses títulos, The Exchange perde um tanto da veia dura com que o cineasta marcou suas últimas direções em favor de um tom mais sentimental. Na igualmente concorrida coletiva de imprensa que se seguiu ao filme, Eastwood explicou que não seria viável abordar a história sem deixar em primeiro plano o drama da mãe, motor de tudo que vem em seguida.
"O que me inspirou realmente nessa história foi o fato para mim sempre impressionante de uma única pessoa, quando marcada pela dor e decidida em fazer dela uma ação efetiva, mudar um cenário social, político até, convocando uma verdadeira força civil em prol de sua causa", disse Eastwood.
Christine faz isso quando atrai o apoio de um pastor presbiteriano (John Malkovich), que acaba por dar-lhe assistência com seu programa numa rádio e com advogados. Interessada em ganhar respeito do público, a corrupta polícia de Los Angeles cerca a mãe quando esta começa dar declarações à imprensa. Os primeiros vestígios de que algo está errado vem com a morte de meninos por um possível assassino.
"Não se pode barrar todo o sentimento quando se tem uma trama com temas como assassinato em série de crianças, mentiras e abuso de poder, para ficar em alguns aspectos", disse o diretor. "Acho que a situação já é suficientemente pesada e dura para ter de reforçá-la para o espectador", completou.
Angelina Jolie, em atuação que começa a ganhar comentários de prêmio em Cannes, contou da dúvida em aceitar o papel quando Eastwood a convidou. "A enorme honra e vontade de trabalhar com ele batia de frente com o fato de imaginar meus filhos numa situação como aquela", explicou a atriz. "Mas isso acabou servindo de força e inspiração, assim como a morte de minha mãe pouco tempo depois das filmagens, que para mim tinha uma personalidade determinada como de Christine."
Eastwood comentou que as experiências como mãe e de adoção da atriz contemplaram os dois lados da complexidade emocional que envolve a personagem. "Christine sabe que não é o seu filho que está de volta, mas também hesita em rejeitar aquele estranho em sua casa; afinal ela tem seu instinto maternal", disse.
Quanto a imagem da polícia retratada pelo filme, o diretor respondeu que sua intenção foi recuperar um momento pontual da corrupção plena daquele momento, e que hoje seria muito difícil a má conduta atingir tal proporção. "Há uma série de elementos conjuntos que levaram ao drama dessa mãe, muitos ligados a uma noção de ingenuidade dos cidadãos; hoje, com tantas vozes e meios prontos para revelar abusos é muito difícil que um fato da troca de uma criança, no nível de absurdo visto no filme, se repetisse."
Especial para Terra
Reuters
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