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Cinema

 
 

Poesia da vida supera temas obscuros no Festival de Cannes

22 de maio de 2011 18h30 atualizado em 04 de julho de 2011 às 11h00

Kirsten Dunst recebe prêmio de Melhor Atriz na 64ª edição do Festival de Cannes. Foto: AFP

Kirsten Dunst recebe prêmio de Melhor Atriz na 64ª edição do Festival de Cannes
Foto: AFP

Elaine Guerini
Direto de Cannes

A miséria humana dominou os 12 dias de maratona cinematográfica nesta 64ª edição do Festival de Cannes. Na hora de conceder a Palma de Ouro, no entanto, o presidente do júri Robert De Niro preferiu uma obra de elevação espiritual, como se quisesse dizer que a vida ainda vale a pena. O grande vencedor da noite foi o americano Terrence Malick, que desconcertou a Croisette com a sua visão poética e melancólica sobre a vida, a morte e outros mistérios do universo em A Árvore da Vida.

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Pena que o diretor não tenha comparecido à cerimônia de premiação, realizada neste domingo, para pegar a cobiçada Palma - usando a mesma desculpa para não ter debatido a produção estrelada por Brad Pitt na coletiva de imprensa: "timidez".

Foi uma Palma justa, já que o papel de Cannes é abrir os olhos do público para cinematografias com elementos pouco convencionais. No caso de A Árvore da Vida, é a narrativa. A história da família que perde um dos filhos segue a estrutura de um sonho, sem ordem ou lógica, brindando a plateia com belas imagens e sugerindo não só a contemplação como a reflexão.

Numa era digital, onde filmes já são feitos exclusivamente para a Internet e os telefones celulares, A Árvore da Vida prova que, muitas vezes, nada substitui a experiência numa sala de cinema.

Como a mostra competitiva deste ano privilegiou os temas fortes e sombrios, filmes sobre abuso sexual infantil, abandono de crianças e violência também tiveram destaque na premiação.

Le Gamin au Vélo, dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, levou o Grande Prêmio do Júri com a história do garoto que não se conforma em ter sido deixado em orfanato pelo pai. Os belgas dividiram o troféu com Once Upon a Time in Anatolia, onde o turco Nuri Bilge Ceylan faz um retrato detalhado de uma investigação de homicídio.

A violência também dá o tom em Drive, que garantiu ao dinamarquês Nicolas Winding Refn o prêmio de melhor diretor, pelo retrato visceral do motorista (Ryan Gosling) que dirige criminosos em fuga.

Um filme injustamente ignorado na premiação foi Michael, do austríaco Markus Schleinzer, que descreve com frieza perturbadora a situação de menino que é vítima de abuso sexual e mantido no porão de quem o sequestrou. O tema, no entanto, também é abordado no filme francês Polisse, que rendeu a Maiwenn, o Prêmio do Júri, ao narrar os dramas registrados numa delegacia de menores.

A presença de um ator vestido de Charles Chaplin, dentro do Grand Théâtre Lumière, já sinalizava que The Artist, do francês Michel Hazanavicius, não sairia do balneário de mãos abanando. E nem poderia. Jean Dujardin foi ovacionado pela plateia ao subir ao palco para receber a estatueta de melhor ator. No papel de um astro do cinema mudo, ele é a prova de que um ator não precisa necessariamente de palavras.

Edição de 2011 se destaca pela qualidade
The Artist já desponta como um dos fortes candidatos ao Oscar de 2012 - não só pela sua qualidade, mas por proporcionar uma viagem pela Hollywood dos anos 20 e 30. Em todas as sessões do festival, o público riu, chorou e aplaudiu generosamente esse filme mudo, rodado em preto e branco, que é uma homenagem singela à história do cinema.

Como melhor atriz, Cannes premiou a americana Kirsten Dunst, pela performance como a noiva em crise existencial às vésperas do fim do mundo de Melancholia. Ela está bem no papel, mas talvez a escolha tenha sido uma resposta do júri à punição recebida pelo diretor do filme, Lars von Trier. O dinamarquês foi declarado "persona non grata" pelo infeliz comentário de que simpatizava com Adolf Hitler na coletiva de seu filme, apesar de ter se desculpado após o ocorrido.

O troféu de roteiro ficou com Footnote, do israelense Joseph Cedar, pela história de rivalidade entre pai e filho que atuam no meio acadêmico. Um dos melhores momentos do filme ocorre quando o pai descobre quem está por trás de sua indicação a um prêmio, juntando as peças em sua cabeça ¿ algo difícil de um roteiro estabelecer, sem que o personagem fale o que está pensando. Só por esta cena, o filme já merecia ser agraciado.

A premiação encerra uma bela edição de Cannes, onde prevaleceu a qualidade nos filmes da competição, o que nem sempre é uma regra. Não por culpa do festival, mas da safra de filmes disponíveis que precede cada seleção. Até os diretores estreantes surpreenderam positivamente, como Markus Schleinzer (com Michael) e a australiana Julia Leigh (com Sleeping Beauty), com obras que apontam para uma carreira promissora.

Além dos nomes expressivos premiados, não houve grandes decepções entre os diretores de grife. Como o italiano Nanni Moretti (com Habemus Papam), o finlandês Aki Kaurismaki (com Le Havre) e o espanhol Pedro Almodóvar (com La Piel que Habito), ainda que este último continue não conseguindo a aclamação de títulos anteriores, como Fale com Ela (2002) ou Volver (2006).

Especial para Terra