Veneza 2007


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Quinta, 6 de setembro de 2007, 13h52  Atualizada às 10h20

Filha de Glauber Rocha espera nova visão de filme do pai

Orlando Margarido
Direto de Veneza
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A filha de Glauber Rocha, Paloma Rocha, diz que espera uma revisão crítica de A Idade da Terra na exibição oficial da cópia restaurada da fita no próximo sábado, dia de encerramento do 64° Festival de Veneza.

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"Para mim é um enigma o que aconteceu naquele ano", aponta Paloma Rocha, responsável pelo legado artístico do pai no projeto Tempo Glauber, em entrevista ao Terra. Há 27 anos, Glauber Rocha rebateu com indignação as críticas feitas a seu filme no festival.

"Quando o filme foi exibido aqui em 1980 houve uma condenação da pessoa do diretor, inclusive política; agora acredito numa leitura detida sobre o filme, que é o mais importante, a herança do meu pai", diz ela.

Paloma e o diretor Joel Pizzini (500 Almas) chegaram, nesta quarta-feira, a Veneza para acompanhar também a projeção de Anabazys, no caso nesta sexta-feira, documentário que realizaram em parceria sobre A Idade da Terra e que irá se juntar ao filme no DVD previsto para ser lançado em novembro pela Versátil.

São 142 minutos de uma viagem pessoal e urgente ao último filme de Glauber, que morreria um ano depois, aos 42 anos. "Urgente porque há toda uma geração que desconhece não só o filme, mas também a difícil carreira dele; foi um filme mal lançado e por isso considero a exibição aqui como um relançamento", completa a filha.

Paloma não gosta da denominação filme-testamento, pois se sabia dos vários projetos que o cineasta estava por realizar. O título Anabazys (ascensão, em grego), justamente, serviria para um deles. Ao comentar a existência do documentário que estava quase pronto para o atual diretor do festival, Marco Muller, Paloma e Joel ouviram a pergunta crucial.

"Estávamos jantando em Turim e Muller quis saber se não tínhamos uma cópia do filme para exibir junto e assim fazer essa espécie de redenção", lembra Pizzini.

Havia sim uma cópia, pertencente a Cinemateca Brasileira, e justamente naquele momento em fase de restauro há mais de um ano. A dupla então procurou acelerar o processo, responsabilidade do restaurador Fabio Fraccarolli, dos Estúdios Mega, e também presente em Veneza, a tempo de ser exibido por aqui.

"É um momento emocionante, sem duvida, mas principalmente histórico, como foi no passado, que fecha um circulo de valorização inicial, má compreensão e valorização de novo", diz Paloma.

Muitos dos 16 títulos de Glauber, entre curtas e longas-metragens, não contam com negativos originais, ou simplesmente não têm copias, e precisam ser restaurados de versões truncadas.

"Nós já encontramos material no lixo literalmente; uma vez um catador de lixo achou negativos de um trabalho de Glauber, ou seja, também é um processo de reciclagem", conta.

Dois desses títulos já contam com um pacote caprichadíssimo em DVD, Deus e o Diabo na Terra do Sol e Terra em Transe, acompanhados de respectivos extras como depoimentos e documentário. O próximo a ser lançado é Barravento.

Um dos principais desafios do restauro, segundo Fraccarolli, foi retirar a cola do durex que, ao derreter, tomou conta das emendas dos negativos. "Isso e a questão do som, muito delicada no caso de Glauber, que chegou neste filme a usar uma orquestra ao vivo, foram a maior batalha para manter tudo intacto, do jeito que ele queria que permanecesse", diz o restaurador.

"A sorte, que no caso de restauro é imprescindível, é que contamos com o diretor de fotografia da fita, Pedro de Moraes", completa.

Mesmo assim, saber onde terminava o desgaste do tempo e começava o estilo autoral tão particular e exigente de Glauber, inclusive na técnica, se impunha como uma obrigação antes de mexer no filme.

"Havia muitos recursos específicos do Glauber, como usar três montadores ao mesmo tempo, uma música ao vivo e a marcação da luz; ele fez até uma tentativa de não usar filtros, dizendo que isso era uma imposição de indústria da Kodak, mas aí não deu certo", lembra Pizzini.

A ligação de Pizzini, um glauberiano, com o legado de Glauber é pessoal já há muito, desde projetos que fez sobre a mãe Lucia Rocha, a exemplo do documentário em curta-metragem sobre ela chamado Abry (2003). No caso de Paloma, além da convivência óbvia de filha, há também uma intimidade profissional. Paloma foi atriz - uma das protagonistas, Ana Maria Magalhães, chegou nesta quinta-feira a Veneza - e continuista de A Idade da Terra.

À frente das câmeras, sua lembrança é da cena em que, obrigada pelo diretor a sentar num piano e tocá-lo, começa em vez disso a batucar no instrumento. Como profissional do set, ela se lembra do dia em que se recusou a bater a claquete pela 42° cena. "Era um dia de 40° graus no Rio de Janeiro e eu só queria parar com tudo e tomar água; mas ele nem se incomodou e saí do set".

Paloma sabe que essa persona impactante do cineasta muitas vezes eclipsou uma leitura direcionada ao filme e aqui em Veneza ela já começou a ouvir interessados a exibir a nova cópia em outros festivais. É um inicio talvez de uma nova carreira da fita, que em 1980 dividiu a opinião de um júri formado por, entre outros, o escritor Umberto Eco, o realizador italiano Gillo Pontecorvo e a cineasta alemã Margarethe von Trotta.

Redação Terra