Deficiências tornam-se material criativo para diretor

Se Jia Zhang-ke embaralha de propósito ficção e realidade para dar conta das mudanças da sua China em 24 City, o português Miguel Gomes faz o mesmo por pura necessidade de sobrevivência. Sobreviver, aqui, entenda-se manter viva a sua idéia de relatar o cotidiano de uma região de Portugal em Aquele Querido Mês de Agosto, que será exibido nesta quarta-feira, em três sessões.

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A fita desde já é uma das mais estimulantes da 32ª Mostra pela sua linguagem fresca, informal e sempre surpreendente para o espectador, em todo momento confrontado com dúvidas e estranhezas na tela. Ao mesmo tempo em que adota o formato, Gomes justifica com ele a razão de sua opção tão inusitada de personagens reais, atores amadores e técnicos de sua própria equipe se misturar numa história movida pela música, pelo interesse documental e ainda encontrar lugar para o melodrama.

Lá está o próprio diretor em cena debatendo com seu produtor o corte de tomadas de cenários por falta de dinheiro, problema fundamental que levou Gomes a desistir de um filme ficcional e partir para um quase documentário. Aproveitou entrevistas já feitas com moradores da Beira, a região visitada, cenas de apresentações de grupos de música popular e brega já colhidas e às somou ao romance de dois primos (Sónia Bandeira e Fábio Oliveira), ela cantora de uma banda ao lado do pai.

No período de verão, as apresentações são freqüentas nos vilarejos e dá ao diretor também a oportunidade de mostrar figuras folclóricas locais como Paulo "Moleiro", conhecido por anualmente saltar de uma ponte no rio que cruza a região. Gomes sabe lidar com o material que tem na mão e tira o proveito possível, inclusive fazendo chiste de seu próprio povo, comportamento e suas origens. Nesse sentido, o filme se localiza naquela condição limite e perigosa de retratar um grupo social a partir de suas excentricidades, mas no caso Gomes escapa com leveza e carinho genuíno por seus contemplados.