Festival de Brasília 2008

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Festival de Brasília 2008

Terça, 25 de novembro de 2008, 17h33 Atualizada às 17h33

"Sempre fui rejeitado pelo cinema de mercado", declara Sarno

Orlando Margarido
Direto de Brasília

Esvaziado talvez pela dispersão (e cansaço) no último dia do festival, mas provavelmente também pelo desafio que o tema requer, o debate em torno do filme Tudo Isso Me Parece um Sonho transformou-se quase por completo num depoimento do próprio realizador da fita, Geraldo Sarno.

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Com isso, houve uma natural tendência à politização -- já que Sarno é um diretor politizado -- e discussão sobre os procedimentos e a linguagem adotados no filme por esse documentarista experiente, um baiano radicado no Rio de Janeiro responsável por trabalhos fundadores do gênero no Brasil, a exemplo de Viramundo.

Sintomático, no entanto, que o cineasta não tenha precisado de muito incentivo por parte da platéia, além de seu colega profissional e amigo próximo Rosemberg Cariry, para tomar rumo numa explicação, quase uma justificativa, do formato final do trabalho.

E como é esse formato? A princípio não facilmente classifcável em alguns dos gêneros tradicionais de ficção ou documentário, já que é uma conjunção de ambos, além de somar um bastidor da produção, o que se costuma chamar de making of.

Há, contudo, o tema norteador do filme na figura do general pernambucano José Ignácio de Abreu e Lima, também político, escritor e jornalista que lutou no século XIX ao lado de líderes como Símon Bolívar para libertar países como Colômbia e Venezuela do domínio espanhol.

Abreu e Lima também está ligado a momentos da história brasileira, como uma tentativa fracassada de independência em 1817 e a Revolução Praieira em 1848, no Recife. Assim como essas passagens, o militar também é uma figura esquecida nos manuais de história. Embora o filme tenha início com a discussão de como abordar o personagem, cuja uma das poucas identificações é um retrato pintado, não foi dessa gênese que o trabalho nasceu. Sarno explicou que um amigo, diretor da construtora Odebrecht, o procurou para realizar um filme de tema em aberto e a discussão acabou chegando até Abreu e Lima e por fim a um formato documental.

"Eu não poderia realizar uma ficção naquele momento, pois não é o meu perfil de trabalho e, principalmente, eu não tinha informações suficientes de quem era Abreu e Lima; então propus justamente fazer um documentário para ir atrás dessas informações", revela o diretor.

É quando entra no projeto o livro do historiador da Universidade de Brasília Vamireh Chacon, autor de uma biografia do general e um dos condutores intelectuais do filme, ao lado do historiador venezuelano Pedro Soza.

Com a soma do material, Sarno sentiu necessidade também de um estudo ficcional do personagem para dar voz ao próprio -- e ela surge já com Abreu e Lima em seus últimos dias refletindo sobre sua trajetória.

Ainda numa última etapa, Sarno também documenta o cotidiano de trabalho atual no canavial como uma metáfora de um Pernambuco ainda feudal, como ele diz, e portanto próximo do período do século XIX, e também visita uma comunidade de maracatu, onde a dança típica se mescla à umbanda.

Com tamanha ambição, o filme paga seu preço numa fragmentação e saltos na narrativa e no tempo que podem confundir o espectador em suas duas horas e meia de projeção. Essa preocupação, Sarno deixa claro, não o afeta. "O que me interessa é realizar um filme sob a perspectiva da criação, da comunicação com o público, mas num sentido específico, que é mostrar como se caminha na contradição e no conflito quando se faz um documentário."

O cineasta acredita que há uma ignorância do público em relação à linguagem audiovisual que precisa acabar. "É necessário avançar com essa linguagem e eu acho que dou minha contribuição para isso com meu cinema."

Sarno apresenta Tudo Isso Me Parece um Sonho como um processo de realização de um documentário em aberto, no qual o público também se integra. Num dos momentos mais sinceros do filme, Sarno se dá conta das relações de linguagem e dos fatos constituídos para o filme, como se dali nascesse o projeto acabado.

Mas estamos no terço final da fita e esta idéia pronta é um próximo capítulo. Capítulo sobre Abreu e Lima que Sarno já adianta que fará agora como ficção, sem medo do enfrentamento e desafio. "Mais uma vez não tenho que me preocupar com o mercado ou coisa assim; sempre fui rejeitado por esse tipo de cinema que pensa no público, não me deixaram nem provar dele para saber se é bom ou ruim", define.

Especial para Terra

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