Orlando Margarido
Direto de Brasília
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Com isso, houve uma natural tendência à politização -- já que Sarno é um diretor politizado -- e discussão sobre os procedimentos e a linguagem adotados no filme por esse documentarista experiente, um baiano radicado no Rio de Janeiro responsável por trabalhos fundadores do gênero no Brasil, a exemplo de Viramundo.
Sintomático, no entanto, que o cineasta não tenha precisado de muito incentivo por parte da platéia, além de seu colega profissional e amigo próximo Rosemberg Cariry, para tomar rumo numa explicação, quase uma justificativa, do formato final do trabalho.
E como é esse formato? A princípio não facilmente classifcável em alguns dos gêneros tradicionais de ficção ou documentário, já que é uma conjunção de ambos, além de somar um bastidor da produção, o que se costuma chamar de making of.
Há, contudo, o tema norteador do filme na figura do general pernambucano José Ignácio de Abreu e Lima, também político, escritor e jornalista que lutou no século XIX ao lado de líderes como Símon Bolívar para libertar países como Colômbia e Venezuela do domínio espanhol.
Abreu e Lima também está ligado a momentos da história brasileira, como uma tentativa fracassada de independência em 1817 e a Revolução Praieira em 1848, no Recife. Assim como essas passagens, o militar também é uma figura esquecida nos manuais de história. Embora o filme tenha início com a discussão de como abordar o personagem, cuja uma das poucas identificações é um retrato pintado, não foi dessa gênese que o trabalho nasceu. Sarno explicou que um amigo, diretor da construtora Odebrecht, o procurou para realizar um filme de tema em aberto e a discussão acabou chegando até Abreu e Lima e por fim a um formato documental.
"Eu não poderia realizar uma ficção naquele momento, pois não é o meu perfil de trabalho e, principalmente, eu não tinha informações suficientes de quem era Abreu e Lima; então propus justamente fazer um documentário para ir atrás dessas informações", revela o diretor.
É quando entra no projeto o livro do historiador da Universidade de Brasília Vamireh Chacon, autor de uma biografia do general e um dos condutores intelectuais do filme, ao lado do historiador venezuelano Pedro Soza.
Com a soma do material, Sarno sentiu necessidade também de um estudo ficcional do personagem para dar voz ao próprio -- e ela surge já com Abreu e Lima em seus últimos dias refletindo sobre sua trajetória.
Ainda numa última etapa, Sarno também documenta o cotidiano de trabalho atual no canavial como uma metáfora de um Pernambuco ainda feudal, como ele diz, e portanto próximo do período do século XIX, e também visita uma comunidade de maracatu, onde a dança típica se mescla à umbanda.
Com tamanha ambição, o filme paga seu preço numa fragmentação e saltos na narrativa e no tempo que podem confundir o espectador em suas duas horas e meia de projeção. Essa preocupação, Sarno deixa claro, não o afeta. "O que me interessa é realizar um filme sob a perspectiva da criação, da comunicação com o público, mas num sentido específico, que é mostrar como se caminha na contradição e no conflito quando se faz um documentário."
O cineasta acredita que há uma ignorância do público em relação à linguagem audiovisual que precisa acabar. "É necessário avançar com essa linguagem e eu acho que dou minha contribuição para isso com meu cinema."
Sarno apresenta Tudo Isso Me Parece um Sonho como um processo de realização de um documentário em aberto, no qual o público também se integra. Num dos momentos mais sinceros do filme, Sarno se dá conta das relações de linguagem e dos fatos constituídos para o filme, como se dali nascesse o projeto acabado.
Mas estamos no terço final da fita e esta idéia pronta é um próximo capítulo. Capítulo sobre Abreu e Lima que Sarno já adianta que fará agora como ficção, sem medo do enfrentamento e desafio. "Mais uma vez não tenho que me preocupar com o mercado ou coisa assim; sempre fui rejeitado por esse tipo de cinema que pensa no público, não me deixaram nem provar dele para saber se é bom ou ruim", define.
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