Festival do Rio 2008

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Festival do Rio 2008

Segunda, 29 de setembro de 2008, 17h01 Atualizada às 17h06

Nachtergaele estréia na direção de filme autoral e sem concessões

Marcelo Lyra
Direto do Rio

A estréia de Matheus Nachtergaele como diretor é, para dizer o mínimo, ousada. Conhecido como um dos mais talentosos atores brasileiros, ele poderia muito bem sucumbir à tentação de fazer um filminho fácil, em linguagem televisiva, atrair público com sua fama, ganhar dinheiro e ponto. Não faltam exemplos, como o recente A Guerra dos Rocha. Mas Matheus mostra personalidade ao estrear com um filme autoral dos mais radicais.

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É a história de Santinho, um jovem morador de um vilarejo à beira do rio Amazonas, que tem visões com uma menina que morreu há tempos na cidade e é tida como santa. Com isso, ele passa a ter seguidores que acreditam em suas curas milagrosas e as falas da menina são esperadas com ansiedade na procissão anual. Não é um filme fácil. Fãs de celebridades, desses que vão ao cinema com baldes de pipoca, certamente irão quebrar a cara.

Matheus Nachtergaele soube aprender muito ao trabalhar com os melhores diretores brasileiros, alguns com estilos opostos, como Walter Salles e Cláudio Assis. Assimilou um pouco de todos, mas a influência mais visível é deste último. Seu principal mérito foi a escolha e a boa preparação do ator Daniel de Oliveira, cuja atuação é o motor do filme.

As cenas em que se mata um porco ou uma galinha para comer lembram o longo plano do boi sendo desmembrado no açougue, em Amarelo Manga. Santinho tem algo do recepcionista do hotel, feito por Nachtergaele nesse filme, embora nos momentos de fúria lembre mais o personagem dele em Baixio das Bestas, outro bom filme de Assis. Os abusos sexuais do pai de Santinho também remetem a Baixio. A essa altura, o apetite de quem levou o balde de pipocas foi embora.

O diretor de fotografia Lula Carvalho, filho e ex-aprendiz de Walter Carvalho, um dos mais importantes e premiados fotógrafos brasileiros, cria uma atmosfera ao mesmo tempo mística e decadente. No lugar do cartão postal, mostra um rio amazonas com carcaças de jacarés apodrecendo, retrato da degradação moral. A câmera se movimenta lentamente pela casa, quase como se não estivesse preocupada com os personagens, muitas vezes filmando-o de costas durante longos diálogos em plano-seqüência (sem cortes). Tudo está em perfeita sintonia com a reflexão que a situação retratada provoca.

Há uma cena particularmente interessante, em que o diálogo entre Santinho e seu irmão flui em um longo plano seqüência, enquanto a câmera movimenta-se suavemente, saindo dos dois para enquadrar a multidão de extras na procissão, como a nos dizer que nossos problemas não são tão importantes assim.

Não que o filme seja perfeito. A montagem por vezes prolonga demais algumas cenas, e parece perder o ritmo na parte final. Alguns planos exalam um certo prazer em chocar que se observa também no trabalho de Cláudio Assis. Mas é um filme sobre relações humanas, onde ninguém é tão bom ou tão mal quanto parece. É no olhar sobre essa dubiedade do comportamento humano que Nachtergaele extrai o melhor de A Festa da Menina Morta.

Especial para Terra

Andre Muzell/Photo Rio News
Matheus Nachtergaele é diretor do filme A Festa da Menina Morta
Matheus Nachtergaele é diretor do filme A Festa da Menina Morta

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