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Veneza: Projeto de uma década une dupla de diretores nordestinos

1 set 2009 - 19h30
(atualizado às 19h45)
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Amigos há pelo menos quinze anos, quando passaram a realizar seus primeiros curtas-metragens, o cearense Karim Aïnouz e o pernambucano Marcelo Gomes efetivaram uma parceria profissional como roteiristas das respectivas estréias no longa-metragem. Assim, Gomes contribuiu para a história de

O diretor Karim Aïnouz
O diretor Karim Aïnouz
Foto: Divulgação
Madame Satã

, dirigido em 2002 por Karim. Este, por sua vez, integrou a equipe de roteiro de

Cinema, Aspirinas e Urubus

, realizado por Gomes três anos mais tarde.

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Não é surpreendente, portanto, que ambos tenham se unido para dirigir Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo, filme selecionado para a seção paralela Horizontes do 66ª Festival de Veneza. O detalhe é que o projeto antecede a carreira solo dos cineastas, já que boa parte do material filmado foi coletado em 1999, quando a dupla rodou o sertão nordestino registrando imagens documentais. O filme, que retira seu poético título de um cartaz verdadeiro pregado num posto de beira de estrada, é a transformação desse saldo em ficção, ao menos como princípio narrativo, já que o espírito geral do filme se conserva como um documentário. "Para nós esse trabalho é como um baú de memórias aberto somente agora", explica Karim ao Terra. "São histórias e lembranças que nossos avôs nos traziam do interior do Nordeste, onde nasceram; não queríamos que o conteúdo ficasse guardado, longe dos olhos do público, porque tem muito a ver com nossas vidas."

Para agrupar essas lembranças, os cineastas criaram um personagem ficcional e uma trama mínima. Zé Renato é um geólogo que sai de Fortaleza com a incumbência de verificar a viabilidade para a construção de um canal no interior semidesértico. A obra desviará as águas de um rio e inundará terras e cidades. Nesse percurso, não apenas o trabalho o entedia como também se fica sabendo da crise que pôs fim ao seu casamento com uma botânica. O recurso diferenciado dos diretores é contar tudo isso apenas com a voz do protagonista (o ator Irandhir Santos, de A Pedra do Reino), sem nunca mostrá-lo. O espectador ouve os lamentos de Zé Renato em "off", como se diz no jargão cinematográfico, enquanto acompanha seus encontros com personagens característicos do ambiente miserável do Nordeste, do casal de velhos que será expulso pelas águas à jovem prostituta do vilarejo que sonha com um amor de novela.

São essas passagens que foram flagradas há dez anos pelos realizadores e agora se mostram como num painel de crônica documental. Há casos em que cabe mesmo um pequeno truque de montagem , por exemplo, quando o protagonista indaga a prostituta. "Antes havia a minha voz ali conversando; agora substituímos pela voz de Zé Renato", diz Karim. "Esse filme é todo uma invenção, não apenas no que diz respeito a mudanças como essa", aponta Gomes. "Foi necessário re-imaginar essa viagem como se fosse atual, construir (a viagem) de modo orgânico para se comunicar com o público". Para Gomes, a opção pela fala em primeira pessoa "off", mais do que recurso narrativo, aconteceu como uma estratégia para aproximar de maneira emotiva o espectador "dessa travessia do deserto", como os realizadores encaram a realização do filme. "A voz do personagem são como anotações de um diário, uma tradição de viajante que tem ligação com o interior do Nordeste e para mim mantém um encantamento", complementa Karim.

Por sua origem diversa, Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo junta diversas técnicas de reprodução digital, como o HD, e mantém o estilo de luz "estourada" e imagem granulada que agrada ambos os cineastas, mas já lhes renderam críticas de certo esteticismo exagerado. É um filme que dialoga especialmente com O Céu de Suely, não apenas no universo temático, mas na construção dos personagens, da mesma forma que em Cinema, Aspirinas e Urubus por seu conceito de road movie. Há ainda uma ligação, mais óbvia na estética, com Andarilho, do diretor mineiro Cao Guimarães, apresentado em Veneza há dois anos na mesma seleção Orizzonti. "Cao foi fundamental com sua influência e de seu trabalho na elaboração desse filme", lembra Gomes, que assina com Guimarães a direção de O Homem das Multidões, a ser lançado. Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo terá duas exibições no festival, a primeira marcada para 4 de setembro e outra no dia seguinte. Karim volta ao Lido depois da experiência com O Céu de Suely, exibido também na mostra paralela em 2006, enquanto Gomes faz sua estréia como diretor em Veneza. "Vai ser ótimo ver o filme nascer ali, uma seleção (Horizontes) recente, que tem uns cinco anos, e poder celebrar esse sonho que nasceu há dez anos", resume Karim.

Fonte: Especial para Terra
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